“Dê aula, e se limite a isso”. Professores têm que lecionar conforme manuais pré-estabelecidos pelas universidades e são sobrecarregados com um número maior de alunos devido à adoção do ensino semipresencial
Apesar da redução de salários e da carga horária, algumas universidades particulares têm aumentado o fluxo de trabalho de seus docentes com a adoção do ensino semipresencial em suas grades curriculares. Isto porque, conforme especialistas ouvidos pelo jornal Brasil de Fato, esse tipo de método educacional tem uma dinâmica diferente, requerendo mais tempo dos professores para a elaboração das atividades e correção de trabalhos.
O ensino à distância nas universidades particulares é regulamentada pelo Ministério da Educação (MEC). De acordo com a Portaria 4.059, de 10 DE dezembro de 2004, as instituições podem ofertar disciplinas semipresenciais em seus currículos, desde que não seja ultrapassado o limite de 20% da carga horária total do curso.
Contudo, a adoção do ensino semipresencial por essas universidades significa apenas a possibilidade de abater o “custo-benefício por cabeça”. É isso que pensa o secretário do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), Rondon de Castro. Ao regulamentar tal método, para Castro, o governo mostra que sua real intenção “está longe da qualidade do ensino, e sim de obter um número para computação em seus relatórios”.
Segundo o vice-presidente do Sindicato dos Professores de Instituições Particulares de Ensino Superior de Curitiba e Região Metropolitana (Sinpes), Valdyr Arnaldo Lessnau Perrini, o ensino semipresencial é um “verdadeiro câncer” que tem se espalhado no ensino superior. Ele afirma que o método é válido para regiões longínquas, onde há dificuldades de locomoção dos estudantes até as instituições. “Mas esses cursos à distância estão se espalhando na graduação e os cursos que são presenciais começam a ter um percentual significativo de aulas à distância, isso para liberar a sala de aula e botar mais alunos”, explica o sindicalista.
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Como consequência, os professores passam a ter mais alunos sob sua responsabilidade com as turmas semipresenciais. “Ele não vai ter aquele limite físico de 60, 70, 80 pessoas por aula. O mesmo professor vai ter 200, 300 alunos à distância. Vai ter mais provas para corrigir e mais dificuldades, porque é toda uma filosofia nova de ensino”, pondera Perrini.
Menos participação
Segundo Castro, a adoção do ensino à distância nas universidades particulares faz parte do processo de tecnização do ensino superior. Ele avalia de forma negativa a condução do ensino superior para o caráter técnico, porque visa apenas a formação de mão de obra. Segundo o diretor do Andes, a prática resulta na precarização do trabalho docente, já que impõe manuais aos professores, afastando-os da pesquisa e da extensão.
“Antes você discutia propostas para os cursos, linhas de atuação, dava sugestões e havia um bom espaço para isso. Atualmente, o professor é contratado e tem de se encaixar num modelo pronto, deve lecionar diversas disciplinas distintas e recebe um plano de aula fechado, com poucas possibilidades de criação”, relata o professor Dorival Reis (nome fictício). De acordo com o docente, que leciona há 27 anos, o nível de participação dos professores nas universidades particulares caiu bastante nos últimos anos.
Somando-se às críticas, Walcyr de Oliveira Barros, vice-presidente da Regional do Rio de Janeiro do Andes, explica que os professores têm que se submeter às regras impostas pelas universidades, porque não têm a estabilidade no emprego que lhes garantiria segurança para se contrapor. “Para esse sistema privado, a lógica imposta para o docente é que ele dê aula, aula de conteúdo técnico e se limite especificamente a isso”, resume.
Aline Scarso e Michelle Amaral, Brasil de Fato