Mídia brasileira vai a Buenos Aires pressionar contra Lei de Meios. Abert e outras entidades estrangeiras da mídia tradicional se reúnem na capital argentina com grupos locais para atacar projeto que democratiza comunicações naquele país
Entidades internacionais de empresários de rádio e televisão da mídia tradicional foram chamadas a Buenos Aires para pressionar contra o chamado 7D, uma data decisiva para a implementação da Lei de Meios Audiovisuais da Argentina. Uma reunião na próxima segunda-feira (10) contará com a presença de representantes da Associação Internacional de Radiodifusão e da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), famosa pela oposição que faz aos projetos que visam à desconcentração dos meios de comunicação. A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) também enviará representantes para o encontro, que será realizado no centro da capital.
A RBA obteve a informação de que o documento de rechaço ao 7D começará a ser produzido no sábado pelas entidades locais, a Associação de Teleradiodifusoras Argentinas (ATA) e a Associação de Radiodifusoras Privadas Argentinas (ARPA). O tom do manifesto, porém, será definido apenas depois da meia-noite de sexta-feira (7), quando se terá uma ideia do que efetivamente irá ocorrer. Os empresários do setor têm incertezas quanto àquilo que pode fazer o governo frente a um quadro de indefinição jurídica.
O problema é que caduca na sexta o prazo que a Suprema Corte deu a uma liminar que desde 2009 proíbe a aplicação dos mecanismos anticoncentração de mercado no caso do Grupo Clarín, o maior conglomerado midiático do país. Na visão dos empresários, o fim da vigência da liminar não autoriza o Executivo a colocar as concessões de rádio e TV do Clarín à disposição, como tem prometido a Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (Afsca), responsável por regular a aplicação da lei.
Há poucos dias, a Suprema Corte determinou que o juiz de primeira instância, Horácio Alfonso, julgue rapidamente o mérito da questão, dando fim a uma situação que deveria ser provisória, já que é este o caráter de uma liminar. Ao mesmo tempo, os magistrados esperavam que a Câmara Civil e Comercial se manifestasse sobre a possibilidade de prorrogar em alguns meses a validade da medida cautelar, o que parecia sensato aos olhos dos empresários da comunicação, já que Alfonso deu a entender que se manifestará em no máximo 60 dias sobre o mérito da ação movida em 2009.
Segundo informações obtidas pela RBA, mesmo os empresários que aceitaram se adequar à Lei de Meios têm sentido que o governo está exagerando quanto a esta questão. A fixação da data do 7D e a necessidade de que ocorra algo efetivamente estaria levando a Casa Rosada a agir com muito ímpeto para evitar uma protelação breve, de dois ou três meses, que levasse a uma decisão mais sólida. Estes mesmos empresários veem a falta de vontade do governo em aplicar outros aspectos da Lei de Meios como outra evidência de que o verdadeiro motivo seria o enfrentamento ao Clarín.
O que o processo movido logo após a sanção da legislação conseguiu foi frear a aplicação do artigo 161, que dá prazo de um ano para que todos os grupos de comunicação que tenham concessões de rádio e TV em excesso apresentem um plano de adequação. Ocorre, porém, que a Câmara Civil e Comercial está há meses sem quórum por oposição do governo de Cristina Fernández de Kirchner, que passou a bloquear a indicação de magistrados que considera afins ao grupo midiático.
Nos últimos dois dias, o governo apresentou pedidos de recusa de quatro nomes indicados pelo Judiciário para recompor a Câmara. Na terça-feira, os juízes Francisco de las Carreras e Gabriela Medina tiveram as nomeações protestadas pelo Executivo por supostas ligações pessoais com o Clarín. Ontem de manhã, a Casa Rosada se opôs às indicações de Francisco Recondo e de Francisco de las Carreras. A Recondo acusam de haver favorecido o conglomerado em uma decisão, e De las Carreras teve uma viagem a Miami paga por uma empresa que teria entre os sócios dirigentes do Clarín.
“As resoluções da Câmara Civil e Comercial foram adotadas com grande velocidade e são passíveis de serem contestadas por revogatória e por nulidade”, explicou o ministro da Justiça, Julio Alak, abrindo um novo front de bate-boca midiático com o grupo de comunicação. “Faltam apenas dois dias para o 7 de dezembro. Os argentinos estamos, com entusiasmo e expectativa, para que se aplique esta lei”, acrescentou. “A possibilidade de que a sala 1 da Câmara Civil e Comercial pretenda estender a cautelar para além de 7 de dezembro seria uma rebelião contra uma lei da Nação e um pronunciamento da Corte.”
O Clarín também elevou o tom. Durante todo o dia, estampou a história no topo de sua página na internet, acrescentando tratar-se de um fato inédito na democracia a recusa dos juízes indicados para a Câmara Civil e Comercial. Em nota, o grupo reiterou que está sofrendo “denegação de Justiça” ao se aplicar a Lei de Meios sem que uma ação sobre seus negócios tenha sido julgada no mérito. Trata-se de um expediente que prepara o caminho para uma eventual corrida à Corte Interamericana de Direitos Humanos, vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA).
O conglomerado acusou ainda o governo de desrespeitar a separação dos poderes e de trabalhar desde o começo pela máxima protelação de uma decisão judicial definitiva, ameaçando a democracia. “O desafio da divisão de poderes, base do sistema republicano, poucas vezes chegou tão longe”, concluiu a nota.
Fechando uma onda de ataque e contra-ataque, a Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (Afsca), responsável pela implementação da Lei de Meios, comunicou que o sócio do Clarín em uma de suas várias empresas apresentou uma consulta para a adequação. A companhia norte-americana Fintech Advisory apresentou a ideia de que o Clarín se desfaça de sua participação acionária, hoje em 60%, sobre a Cablevisión, empresa de televisão por cabo que não pode mais ser mantida pelo gigante midiático, segundo os novos regulamentos.
A Afsca esclareceu, porém, que apenas o controlador de uma corporação, neste caso o Clarín, pode apresentar um plano de adequação. Na última nota do dia, a empresa manifestou que não dá aval à proposta feita pelo minoritário e que vai esperar uma decisão judicial definitiva sobre a Lei de Meios.
João Peres, Rede Brasil Atual