Vídeo sobre cotas produzido por estudantes de Salvador provoca polêmica na rede e gera reações raivosas e de conotação racial. Atriz que protagoniza o vídeo já foi chamada de "macaca e chimpanzé"
Um vídeo, feito por estudantes e intitulado “Cotas – essa conversa não é sobre você” tem causado polêmica nos últimos dias nas redes sociais. Nos 5 minutos e 17 segundos do vídeo, publicado no mês de novembro no YouTube pelo usuário “jrborges13”, a jovem Juliette Nascimento apresenta um discurso direcionado aos estudantes brancos de classe média.
Neste sábado (15), o vídeo, feito por integrantes da Rede Nacional de Juventude Negra, já alcançou cerca de 108 mil visualizações, sendo que 951 clicaram na opção “Gostei” e 7963 na opção “não gostei”. Recentemente, o site da Veja publicou um texto em que classificou o vídeo como “puro lixo racista” e diz que “prega o confronto racial e de classe”.
Logo na introdução do vídeo, o texto de Tamara Freire, com adaptação de Jr. Borges, deixa clara a ironia da mensagem. “Eu sei como é difícil quando a gente encontra alguém que nos mostra os nossos próprios privilégios, mas deixa eu tentar mais uma vez: me arrisco a dizer que não me importo se você não conseguir entrar naquele curso mega-concorrido que você sempre sonhou porque simplesmente essa conversa não é sobre você”, dispara Juliette Nascimento.
(Clique aqui para ler a íntegra do texto utilizado no vídeo, ou assista ao vídeo no fim desta página)
“Eu sei que você pensa ser o centro das atenções, mas agora você não é o centro das atenções e sei que deve ser um ‘baque’ porque você está sempre acostumado com isso, não é? […] Quando você chora pelo curso que está cada vez mais distante agora, suas lágrimas não me comovem. O que realmente me comove são as lágrimas daqueles que nascem, crescem sem qualquer perspectiva para alimentar o mesmo sonho que você. É sobre essas pessoas que estamos falando”, emenda a estudante.
Em outra parte do vídeo, o texto diz: “(…) Quando você diz que, na verdade, os seus pais pagam o curso somente porque trabalham tanto ou porque você ganha uma bolsa pelas boas notas que tira, eu não me comovo. Não me comovo mesmo! O que me comove é que muitos outros pais trabalham muito mais do que os seus e recebem muito menos por isso”.
Reação
Após a postagem do vídeo, diversos comentários foram feitos.”Afff !! Como se ser rico fosse pecado. E o rico só é rico porque trabalha muito… Que ridículo este vídeo, ela poderia defender o sistema de cotas de outra maneira”, acrescenta outro comentário. “Fazem negrisse e depois querem que não sofram racismo…”, ressalta mais um comentário.
Em entrevista ao Portal Correio Nagô, o diretor do vídeo Jr. Borges contou que estava em casa, quando compartilharam o texto na página dele no facebook. “Eu e minha esposa conversamos e achamos que daria um bom vídeo que foi gravado nos dias 8 e 9 do mês passado. Foi em tempo recorde, em uma semana saiu do projeto e virou arte”, relatou.
O diretor disse ainda que a intenção era provocar o debate. “Óbvio que ver esfregado na cara seus privilégios agride. Mas a nossa intenção não era de agredir, de forma alguma”, destacou.
“O que não esperávamos eram os ataques racistas que aconteceram. Não esperávamos também as acusações de racismo, não acreditamos na sociedade da segregação, por isso nunca imaginamos que a resposta viria em um nível tão baixo.Uma serie de tentativas de desvalidar o que produzimos. Foi muito infantil, mas serviu de aprendizado para sabermos que boa parte deles não esta dispostos nem a dialogar acerca do assunto”, disse.
Publicação
Sobre o texto publicado na Veja, Jr. Borges ressaltou o que chama de posicionamento da revista. “Não podíamos esperar nada diferente da Veja, não é? Uma revista que historicamente se posiciona ao lado das elites brasileiras, que visa atingir ideologicamente os membros da classe média, para que estes sirvam de cinto de contenção dos conflitos de classe, gerados pela própria natureza do capitalismo. Não pregamos confronto racial, nós só dissemos a eles que chega desse discurso ultrapassado que eles fazem”.
Um dos participantes do vídeo chegou a ser reconhecido em um shopping de Salvador. “Juliete relatou um tímido reconhecimento. Pessoas ficaram a encarando constrangidas com a presença dela e este piorou quando ela perguntou se tinha algum problema”. A atriz já foi chamada, no YouTube, segundo relato do grupo, de “macaca, gorila e chimpanzé“.
O diretor relatou que chegou a salvar comentários. “Tem alguns bem interessante, em especial um que o sujeito diz ‘Em 2000 anos de historia, os europeus desbravavam o mar aberto e os continentes. Descobriam e estudavam fenômenos. Inventavam as ciências, a matemática, a filosofia. E o negro africano? Ficou lá na África, com sua “cultura” tribal e questionável. Não avançando em nada. No máximo em algum estilo musical ou outra coisa relacionada. Nada relevante no entanto”.
Para ele, o saldo do vídeo é positivo. “Esperávamos acender o debate, e conseguimos. Foi até maior que imaginávamos. Queremos no fundo que a sociedade brasileira se observe veja que existem cidadãos de segunda classe. Onde a tão falada democracia é uma ferramenta nas mãos de quem aprendeu a segurar o poder, dele passando de geração em geração em suas famílias. Nós questionamos abertamente as estruturas sociais e étnicas do país, o que no Brasil é pecado. Muita gente acredita na democracia racial, esse é um dos grandes empecilhos para que a população entenda o que dizemos”, finalizou.
Participaram também do vídeo Raiane Pedreira, na câmera base e edição e Vaguiner Jorge, na maquiagem e direção teatral.
Assista ao vídeo abaixo
Portal Correio Nagô , atualizado por Pragmatismo Político
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