Guarani-kaiowá: Adolescente é torturado e morto no MS. Jovem saiu para pescar com amigos quando foi pego por jagunços
No domingo (17), o indígena Guarani-Kaiowá Denilson Quevedo Barbosa, de 15 anos, foi torturado e assassinado com três tiros na cabeça enquanto pescava na reserva de Caarapó. Outros dois indígenas que conseguiram escapar do ataque confirmaram que o crime foi cometido pelo filho do fazendeiro Aladino e seus jagunços.
O corpo da vítima foi encontrado em outra fazenda, porém Valdelice Verón, liderança indígena e filha do cacique assassinado Marcos Verón, relata: “Os assassinos judiaram, espancaram, amarraram o menino pelos pés e o arrastaram numa camionete. Depois atiraram na cabeça dele e jogaram em outra fazenda para fingir que não foram eles.”
A perícia criminal da Polícia Civil indicou que o corpo da vítima foi encontrado com um tiro abaixo do ouvido e, apesar de ter iniciado as investigações, a força policial não quis dar mais detalhes sobre o caso.
Segundo Valdelice Verón: “A polícia foi até o local somente para resolver a questão dos fazendeiros. Não falaram que o menino foi assassinado. É como se fosse um cachorro morto e não se sabe quem matou”, reclama.
Retorno
Após o enterro realizado no local onde foi assassinado o adolescente, na fazenda Sardinha, arrendada para a criação de gado e o monocultivo de soja, cerca de 500 indígenas acampam nessa área para reivindicar justiça e a demarcação e homologação do seu tekoha (terra indígena), uma dívida do Estado brasileiro que já leva mais de duas décadas.
O comunicado do Conselho de Aty Guasu, que reúne as lideranças das aldeias Guarani-Kaiowá, advertiu que o protesto passivo dos indígenas tem aumentado a tensão com a presença dos agentes da Polícia Federal (PF) e Fundação Nacional do Índio (Funai).
Ironicamente, as forças de segurança federais que se acercam ao local no protesto dos Guarani-Kaiowá, não respondem aos pedidos de uma presença permanente nas aldeias, feitos pelos indígenas para evitar novos assassinatos na comunidade.
Estado de Violência
Para Valdelice Verón a violência está diretamente vinculada à indiferença do Estado brasileiro: “A estrada dos fazendeiros Vieira e Aladino passa no meio da aldeia indígena. Quando os Guarani-Kaiowá querem pescar na propriedade das fazendas eles atiram sem perguntar.”
E faz referência à presidente Dilma Roussef: “Ela mentiu porque falaram que não devíamos fazer retomadas de terra até abril. Uma mentira dela para mostrar para os norte-americanos que todas as etnias estão bem no Brasil e o governo não vai ter problemas para a Copa do Mundo.”
Valdelice Verón também lembra: “O líder de Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso do Sul) prometeu no dia 25 de novembro de 2012, diante da presidente da Funai e do Ministério Público que não iam ocorrer mais mortes até abril. Então para que contratam a empresa de segurança Sepriva e os pistoleiros?”
Somente em janeiro de 2013 a aldeia Taquara teve dois incêndios suspeitos; o cacique Ladio Verón, da mesma aldeia, foi ameaçado de morte; e o cacique Valdemir Salina da Aldeia Remanso Gwasu foi ferido por um disparo de arma de fogo. Em 9 anos foram assassinadas mais de 273 lideranças Guaraní-Kaiowá.
ATUALIZAÇÃO: Fazendeiro admite ter atirado em adolescente guarani-kaiowá de 15 anos
O fazendeiro Orlandino Carneiro Gonçalves, 61, confessou ter atirado no adolescente guarani-kaiowá de 15 anos, Denílson Barbosa. O corpo do jovem morador da aldeia tey´ikue, localizada na área indígena Caarapó, em Caarapó (MS), a cerca de 50 quilômetros de Dourados (MS), foi encontrado no último domingo (17) em uma estrada vicinal que separa a aldeia de algumas fazendas.
Segundo o delegado regional de Dourados, Antonio Carlos Videira, o proprietário da fazenda Sardinha se apresentou ontem (19) à noite na delegacia de Caarapó e confessou a participação no crime. Em seu depoimento o fazendeiro informou que estava só na propriedade quando ouviu os latidos dos cachorros, que correram para a área do criadouro de peixes. Ao perceber o movimento, Gonçalves disse ter disparado dois tiros.
De acordo com o delegado, Gonçalves estava acompanhado de sua advogada, prestou depoimento e foi liberado em seguida.
A delegada responsável pelo inquérito policial instaurado para apurar o caso, Magali Leite Cordeiro, esteve na manhã de hoje (20) na reserva, acompanhada por investigadores da Polícia Civil e representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e apreendeu uma arma de propriedade do fazendeiro.
Conforme o coordenador substituto do escritório da Funai em Dourados, Vander Aparecido Nishijima, informou ontem (19) QUE as primeiras notícias davam conta de que Denílson Barbosa saiu para pescar com o irmão mais novo, de 11 anos, e outro índio, no sábado (16) à tarde. Aparentemente, os três pretendiam ir a um córrego cuja nascente fica no interior da terra indígena e que cruza algumas fazendas próximas.
Segundo o testemunho dos dois índios que acompanhavam Barbosa, os três foram abordados por homens armados quando passavam próximo a um criadouro de peixes. Os dois índios disseram também que os três homens atiraram. Na fuga, Denilson teria ficado preso em uma cerca de arame farpado, foi alcançado pelos pistoleiros e agredido. Ontem (19), Nishijima esteve na área acompanhado por líderes indígenas e ouviu a versão do irmão de Denilson. Na língua guarani ele reforçou o que já havia dito na aldeia, logo depois do incidente, identificando três homens por apelidos.
Revoltados, parentes do adolescente e moradores da aldeia ocuparam a fazenda onde o crime teria ocorrido e enterraram o corpo de Denilson. Os índios já reivindicavam a área onde, hoje, o fazendeiro cria gado e planta soja, como sendo território tradicional indígena, parte do antigo tekoha (território sagrado) Pindoty, ocupado pelos kaiowás muito antes da expulsão de comunidades indígenas, ao longo do século 20.
De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a propriedade estava deserta quando os índios chegaram ao local. Depois de enterrarem o corpo do adolescente, cerca de 300 índios permaneceram no interior da fazenda. O grupo planeja fazer uma série de protestos para chamar a atenção para o assassinato e para os conflitos por terras entre índios e fazendeiros. O Cimi informou também que a comunidade reivindica a presença permanente da Força Nacional na área como forma de garantir a proteção das famílias indígenas.
Cerca de 5 mil índios vivem na Terra Indígena de Caarapó, que mede cerca de 3,5 mil hectares (1 hectare corresponde a 10 mil metros quadrados, aproximadamente as medidas de um campo de futebol oficial). De acordo com o Cimi, desde a criação do território indígena, em 1924, os índios são obrigados a pescar fora de sua reserva, já que não há peixes nas nascentes dos córregos existentes no interior da reserva. Segundo o Cimi, isso tem provocado problemas e conflitos recorrentes.
Ignacio Lemus, Caros Amigos
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