Família de Vladimir Herzog recebe novo atestado de óbito. Documento cita 'maus-tratos durante interrogatório' como causa da morte. 'Não é conquista só da família, mas da sociedade', diz viúva Clarice Herzog
A família de Vladimir Herzog recebeu na última semana uma versão retificada do atestado de óbito do jornalista, morto em 1975, durante a ditadura militar. Na certidão, revisada após determinação da Justiça, passa a constar como causa da morte “lesões e maus tratos sofridos durante o interrogatório em dependência do 2º Exército (DOI-Codi)”, que substitui formalmente a versão de “asfixia mecânica por enforcamento”.
O ato de entrega do novo documento à família acontece no Instituto de Geociências da USP (Universidade de São Paulo). A viúva do jornalista, Clarice, e os filhos Ivo e André receberão o documento. Vlado, como é conhecido o jornalista, morreu em outubro de 1975 após uma sessão de tortura no DOI-Codi, em São Paulo, mas a versão divulgada pelo Exército foi a de suicídio.
“É uma grande vitória. Quando você tem um atestado mentiroso e é obrigado a aceitá-lo é quase que um processo de humilhação para família”, diz Ivo, filho do jornalista. “Nós estamos começando a contar as histórias dessas pessoas que construíram o país livre que a gente vive hoje.”
Herzog compareceu espontaneamente ao DOI-Codi após ter sido procurado por agentes da repressão em sua casa e na TV Cultura, onde trabalhava como diretor de jornalismo à época. O jornalista foi torturado e espancado até a morte.
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A morte de Herzog gerou protestos, como a famosa missa na catedral da Sé, em São Paulo, e contribuiu para que o presidente Ernesto Geisel e seu ministro Golbery do Couto e Silva vencessem a queda de braço com a linha dura da ditadura, que pedia um aperto na perseguição à esquerda, sob o argumento de que o país vivia a ameaça do comunismo.
Comissão Nacional da Verdade
A alteração no atestado de óbito ocorre após pedido da Comissão Nacional da Verdade da família para que fosse feita a retificação do documento. Em setembro de 2012, o juiz Márcio Bonilha Filho, da 2ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, acatou a solicitação e determinou a correção.
A mudança no documento chegou a ser contestada em novembro de 2012 pela promotora Elaine Garcia, que apresentou um recurso para solicitar que o mesmo trecho fosse substituído para “morte violenta, de causa desconhecida”. Seu argumento era que os termos “lesões e maus-tratos” não são adequados para documentos legais. A Justiça rejeitou o recurso em dezembro do ano passado.
Para Marco Antonio Barbosa, presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (secretaria de Direitos Humanos) e advogado da família, a retificação do documento é “essencial e importante para a consolidação de um Estado democrático de direito”.
Cena forjada
No ano passado, uma reportagem revelou a identidade de Silvaldo Leung, fotógrafo que foi usado pela ditadura para registrar a morte do jornalista.
Segundo depoimento de Leung, a cena do suicídio foi forjada. O fotógrafo, então aluno da Academia da Polícia Civil de São Paulo, disse que não teve liberdade para fotografar o cadáver do jornalista, como normalmente fazem os peritos fotográficos, e alega que foi perseguido.
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