Rede Sustentabilidade, partido liderado por Marina Silva, tenta superar vícios políticos, mas pairam dúvidas sobre como vai lidar com a realidade do sistema partidário
Fundado há um mês, a Rede Sustentabilidade deve se tornar o 31º partido político do Brasil. Liderada pela ex-ministra e ex-senadora, Marina Silva, a nova organização corre contra o relógio para oficializar sua legenda a tempo de pensar em lançar candidatos para as eleições de 2014. Para isso, depende da anuência de aproximadamente 500 mil assinaturas, em pelo menos nove estados, com prazo suficiente para que os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se manifestem, no máximo até outubro.
No ato de lançamento do partido, ocorrido em 16 de fevereiro, na capital federal, Marina Silva deixou claro que “não se trata de um esforço pensando apenas em eleição”. Mesmo assim, a prioridade do momento parece ser o recolhimento das assinaturas. No site da Rede, por exemplo, apoiadores podem se cadastrar como coletores de adesões. O mesmo empenho tem se repetido nas redes sociais.
Esquerda-direita
O tema do desenvolvimento sustentável foi adotado como eixo central na disputa ideológica que o partido quer levar para dentro do sistema político. A escolha tem a ver com a declaração de Marina Silva, de que não é “um partido de esquerda, nem de direita, mas a frente”. Para os fundadores da Rede, nenhuma agremiação partidária do país deu a devida dimensão para esse tema até agora.
“A política socioambiental do governo Dilma é um desastre, e de todos os outros governos sempre foi ruim. Nenhum partido, nem de esquerda, nem de direita, tem uma visão profunda no sentido de questionar o desenvolvimento que está aí. A esquerda tem uma visão mais social, que é importante, mas o centro do desenvolvimento é o neodesenvolvimentismo predatório. A direita tem um foco na economia liberal, mas o centro do desenvolvimento também é predatório. A pauta socioambiental é marginal em todos os partidos”, avalia Pedro Ivo Batista, membro da Comissão Nacional Provisória da Rede.
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Marina Silva: onde vou amarrar a Rede?
Militante histórico do movimento ambientalista, Ivo foi assessor muito próximo de Marina Silva na gestão à frente do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e é uma das lideranças mais engajadas na construção do novo partido.
O vice-presidente nacional do PSB, Roberto Amaral, é um crítico atroz do novo partido. Para ele, a Rede tenta negar a disputa direita-esquerda. “Não considero um projeto político, nem partidário, e sim uma arregimentação fundamentalista. [O partido] não se define diante dos projetos da esquerda brasileira, não diz uma palavra sobre a reforma agrária. Todo mundo é a favor da sustentabilidade. A meu ver, o fato novo que temos que discutir é o que fazer para aliar desenvolvimento e sustentabilidade. Como deixar de fazer hidrelétrica e obter energia? Esse milagre nós estamos aguardando. Com esse tipo de dogma, é um projeto que não inova”, afirma.
Segundo o analista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto Queiroz, o partido acerta ao eleger a sustentabilidade como elemento central, mas aponta dúvidas para essa ser a principal justificativa de conformação da Rede. “Claro que é um tema que permeia todas as áreas da convivência humana, é a novidade da atualidade. Ago Agora, não haveria necessidade de criação de mais um partido com esse propósito, com o compromisso com o meio ambiente. A Marina quis um partido para chamar de seu, porque ela não tem sido muito fiel aos partidos a que pertenceu”, critica.
Pedro Ivo rebate esse tipo de análise exemplificando a própria história. Ex-bancário e sindicalista, foi um dos fundadores do PT e militou na executiva da Central Única dos Trabalhadores (CUT). “Fui secretário nacional de meio ambiente do PT, mas o que levou um cara de esquerda e ecossocialista, como eu, a entrar na Rede, foi perceber que a sustentabilidade é o eixo central, algo que não havia ocorrido antes”.
No plano nacional, a surpreendente votação de Marina Silva, que chegou a quase 20 milhões de votos nas eleições presidenciais de 2010, desencadeou um processo de debate entre seus apoiadores sobre as forças partidárias capazes de abrigar esse “capital político”.
No Partido Verde (PV), legenda pela qual concorreu, Marina não obteve as mudanças desejadas e saiu em meados de 2011. “Como o PV negou-se a se democratizar, constituímos o movimento ‘nova política’. A ideia era ser um movimento supra e transpartidário e aglutinou jovens sem experiência em organização política e que se articulavam em redes sociais, além de pessoas ligadas a partidos. Marina sempre foi contrária a constituir um partido sem um amálgama social que pudesse conformar um projeto político”, acrescenta Pedro Ivo.
Entrando no jogo
O professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo, Francisco Fonseca, pondera a capacidade do partido de lidar no sistema partidário tal como está constituído.
“A Rede não será um partido inteiramente dentro do jogo político, nem fora. Na verdade, sinaliza uma dupla perspectiva: de um lado, uma organização programática, mais ideológica, mas também composto por forças políticas e parlamentares, inclusive empresários, que tendem mais a jogar a regra do jogo. A questão é saber se tem espaço para sobreviver no atual sistema político, até onde isso vai. Vejo mais perguntas do que respostas”, opina.
O deputado Domingos Dutra (PT-MA) é um dos políticos que estão apoiando a construção da Rede. Sem influência no PT de seu estado, Dutra viu seu partido emprestar apoio a “uma das últimas oligarquias do país”, comandada pela família Sarney, sem poder reverter a situação. O parlamentar ressalta a dificuldade para lidar no sistema político-partidário.
“A Rede está concordando com as regras do jogo atual, isso é um risco para qualquer partido. Se observar o que o PT defendia em 1980, não tem mais nada. Então, é mesmo um risco, mas estamos com disposição para enfrentá-lo, construir algo que seja diferente. Mais de 80% da população eleitoral brasileira não é filiada a partido político. E outros 30% simplesmente se abstiveram de votar nas últimas eleições, mesmo o voto sendo obrigatório. Então, penso que a Rede tenta inovar. Trata-se de uma disputa pela própria democracia”, aponta.
Pedro Rafael, Brasil de Fato