À espera de perdão: Mãe do pastor Marco Feliciano relata como praticava abortos clandestinos no interior de SP, nos anos 70
Lúcia Maria Feliciano era uma doméstica de 20 anos, mãe solteira de um filho pequeno, e, segundo seu relato, realizava nos anos 70 abortos em mulheres mais novas em Orlândia (a 365 km de São Paulo).
Na época, mães levavam as filhas grávidas, a maioria adolescentes de 15 ou 16 anos, até sua casa, conta Lúcia, hoje com 59 anos e moradora da mesma cidade.
Seu passado de 40 anos atrás foi trazido a público pelo filho, o deputado Marco Feliciano (PSC-SP), atual presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara.
Criticado por declarações consideradas racistas e homofóbicas, o pastor Feliciano contou que a mãe tinha uma pequena clínica de abortos. “Eu vi fetos serem arrancados de dentro de mulheres.” O pastor é contra a interrupção da gravidez até mesmo de vítimas de estupro, como permite a lei.
Lúcia disse que o filho jamais viu um aborto feito por ela. Na época em que ela diz ter recebido as adolescentes, Feliciano era um recém-nascido.
Ela afirma que só atendeu casos de gravidez inicial, com 15 ou 20 dias de gestação. “Não tinha nada [de fetos].”
Longe de um ambiente esterilizado, como o de um hospital, a gravidez era interrompida com a ajuda de uma sonda, introduzida até o útero, e de uma mistura de pinga com arruda dada às jovens.
Em sua casa, em Orlândia, Lúcia em vários momentos interrompeu a entrevista para se dizer arrependida e que espera “o perdão de Deus”. Hoje ela é evangélica. Não permitiu que fosse fotografada nem falou sobre as polêmicas atuais do filho.
Antes de ficar grávida de Feliciano, seu único filho, Lúcia afirma ter se submetido a um aborto, aos 17 anos.
Ela estava com dois meses de gestação quando decidiu procurar “essas benzedeiras antigas”. Essa mulher, conta, lhe ensinou como interromper a gestação com uso de uma sonda, mais fina do que uma caneta, que era introduzida pela vagina até o útero.
Também tomou um “queimado”, como chama a bebida de pinga e folhas de arruda.
Lúcia começou ajudar outras mulheres a praticar abortos após ter sido procurada por mães de adolescentes grávidas, conforme relata. Diz ter interrompido a gestação de cinco ou seis jovens.
O aborto, que não era cobrado, segundo ela, demorava cerca de meia hora e não teria resultado em nenhuma complicação às jovens.
“Achei que estava ajudando alguém, mas estava é destruindo uma vida”, disse.
O filho só soube dos abortos, conta a aposentada, quando ele tinha dez anos. Quando perguntada se entende como é a realidade do aborto hoje no Brasil, Lúcia volta a dizer ser contra o ato.
“Não peço perdão a você ou ao Marquinho [como chama o filho], peço perdão a Deus e espero que ele me perdoe pelo o que eu fiz.”
Segundo estimativa de organizações feministas, são realizados anualmente cerca de 1 milhão de abortos clandestinos no país, que resultam na morte de duas centenas de mulheres, em média.
Pela lei atual, o aborto só é permitido no Brasil em casos de estupro ou de risco para a vida da mãe.
Juliana Coissi, jornal Folha de S.Paulo