A masturbação, condenada pela igreja, ainda não é proibida por lei. Mas em tempos de um Congresso dominado por correntes que querem ditar padrões de dogmas inspirados em crenças sobrenaturais, tudo é possível…
Rui Martins, Direto da Redação
Católicos, evangélicos e espíritas tramam no Congresso uma nova lei protegendo os embriões, a partir do encontro do espermatozóide com o óvulo feminino. Será a lei anti-aborto, mesmo em caso de estupro e de falta de cérebro no feto.
Lembro-me ter lido, ainda na minha época da CBN, uma crônica do Arnaldo Jabor que, entrava no ar pouco antes ou pouco depois de mim, chamado ao vivo pelo Heródoto Barbeiro.
Contava o cronista, numa linguagem desabrida, lembrando de sua época de internato em escola de padres, que se sentia como um criminoso ao ejacular depois de se masturbar e deixar cair no vaso ou no bueiro do chuveiro tantos espermatozóides, assim impedidos de chegarem a óvulo feminino.
Por certo, seus professores padres, no louvável afã de impedirem aos seus alunos se tornarem viciados na punheta, tinham lhes embutido no cérebro a idéia de que cada um daqueles fiozinhos cabeçudos, disparados cegamente à busca de uma fecundação, já tinha alma ou espírito.
Assim, milhões e milhões de almas, em lugar de irem ao céu ou na pior das hipóteses para o purgatório ou para o inferno, iam diretas para o esgoto. Essa quantidade vai muito além de milhões, bilhões e trilhões, é preciso se botar muitos zeros a mais nisso, se somarmos aos espermatozóides do Jabor os dos adolescentes, os de tantos milhões de homens solitários, solteiros e viciados que se desafogam diariamente.
Lançar trilhões de almas perdidas nos esgotos deveria ser um crime hediondo, merecedor de um castigo divino mais severo que o inferno, a começar pela castração.
Isso, é claro, se cada espermatozóide na sua trajetória doida e inconsciente tivesse alma. Se cada um deles já fôsse um ser humano. Não é o caso, mesmo porque se fossem seres humanos deveriam ser todos condenados por concorrência e brutalidade, pois só um deles, no caso de haver óvulo no final do túnel, é o premiado com a possibilidade de provocar uma gravidez. É como num acidente de trem, ônibus, avião ou discoteca, quando só há uma porta des saída.
Esse pesadêlo do Jabor, que já foi e é de tantos adolescentes, não é ainda punido por lei, mesmo se a masturbação é condenada pelas igrejas. Mas, atenção – se um desses velozes espermatozóides chegar no óvulo feminino e se iniciar o processo de fecundação e formação do feto, garantem os religiosos já haver ali uma alma e ser pecado mortal intervir. E, por isso, tais religiosos são contra qualquer tipo de aborto, mesmo se a mulher grávida quiser abortar.
Não importa, segundo eles, se o feto é fruto de um estupro, numa menina por um adulto, se tem defeitos físicos e se falta ao feto todo ou parte do cérebro. O absurdo dessa loucura religiosa é de querer criar mesmo uma Bolsa Estupro para a mulher que não pôde abortar mas cujo filho indesejável foi fruto de violência sexual.
Nessa tentativa absurda de violência contra a mulher uniram-se representantes dos três principais ramos religiosos no Brasil, o católico conservador e reacionário Miguel Martini, o espírita em defesa de almas revoltadas por verem frustradas sua reencarnação, Luiz Bassuma, e o evangélico Eduardo Cunha, relator do projeto.
Tenho lido muitas manifestações de protesto de mulheres e homens e mesmo a advertência de que devemos nos mobilizar para impedir que a conjugação das forças religiosas reacionárias acabem com o nosso Estado laico e queiram ditar padrões de dogmas inspirados em crenças sobrenaturais, que não resistem a uma análise científica.
Sempre defendi o direito de todo religioso ter acesso à sua crença, porém, em contrapartida, os religiosos não podem querem impor à toda população os preceitos ditados por suas religiões. Se são contra o aborto, que suas mulheres não abortem, mesmo se forem estupradas por um padre ou pastor ou medium. Não vamos permitir que se faça no Brasil o que radicais islamitas estão fazendo nos países mediterrâneos, depois de roubarem dos jovens a revolução da primavera, retirando todos os direitos dificilmente conquistados pelas mulheres e criando um Código penal baseado no Corão.
O mais estranho é que Jesus, adorado por esses religiosos, teria dito que seu Reino não é deste mundo. Então, por que seus seguidores querem agora tomar o Parlamento, governar e editar leis religiosas ? Não lhes basta um Estado de direito que lhes garante a liberdade de culto, de pregação e mesmo de conquistar novos seguidores?
Nota do autor. Lembro-me de ter ouvido falar, pela primeira vez, em Jabor, lá pelos idos de 1968, quando ele fizera uma curta-metragem, ao que me parecia de esquerda, coisa que não é mais o seu forte, noticiado pelo Jornal do Brasil.