Sucesso do Miss Islândia 2013 é resultado de uma divertida campanha de “trollagem” do concurso que enfrenta a oposição de parte da população e das aguerridas e bem-humoradas feministas islandesas
Carolina de Assis, revista Samuel
O concurso Miss Islândia 2013 tem causado furor nacional desde a abertura das inscrições, em junho. O evento recebeu um número recorde de candidaturas: em um país com pouco mais de 320 mil habitantes, mais de 1.300 pessoas se apresentaram. Não, não há uma horda de islandesas aspirando à coroa e à faixa. O sucesso de participação é resultado de uma divertida campanha de trollagem do concurso que enfrenta a oposição de grande parte da população e das aguerridas e bem-humoradas feministas islandesas.
Quando as inscrições foram abertas, Rafn Rafnsson, diretor do evento, declarou que o concurso tinha sido “revigorado”, e que a intenção era popularizar o evento fazendo algo “moderno e diverso”, indo além do estereótipo da miss islandesa “loira, alta e com olhos azuis”. O critério de seleção seria bem mais generoso, não haveria mais requisitos mínimos de peso e altura, e todo mundo poderia se candidatar. A ativista feminista Hildur Lilliendahl entendeu o recado, postou sua candidatura em seu perfil no Facebook e anunciou sua participação. No dia seguinte, Sigríður Ingadóttir, membro do parlamento islandês pelo partido de esquerda Aliança Social Democrática, também embarcou na ideia. “Quando vi a candidatura de Hildur no Facebook, pensei ‘bom, também vou me inscrever, é uma maneira divertida de participar do protesto’. Às vezes você precisa usar o humor para chamar a atenção das pessoas”, disse a parlamentar.
A brincadeira se espalhou, e mulheres e até homens de várias idades decidiram participar. “Estou fazendo isso para mostrar o quanto esse concurso é sem sentido”, diz a pastora Sigridur Gudmarsdottir, 48 anos, que espera que o protesto faça as pessoas pensarem sobre o arbitrário conceito de beleza. Para a crítica literária Brynhildur Omarsdottir, que também enviou sua candidatura, o diretor do evento deu a margem que as feministas queriam para criticar o concurso por promover a objetificação das mulheres e o estereótipo da “mulher ideal”. Hildur, o estopim do movimento, concorda: “Os concursos de beleza tradicionais promovem o exemplo perfeito do tipo de mulher criada pelo patriarcado. Esse sistema ensina (e/ou força) mulheres a serem belas e amáveis e doces e bem-comportadas e compostas e totalmente reprimidas, e é exatamente assim que as mulheres são mantidas fora das posições de poder, do mercado de trabalho e da potencial revolução capaz de destruir esse sistema idiota.”
A generosidade da direção do concurso, porém, vai mesmo ficar só nas inscrições. “As regras continuam as mesmas”, diz Íris Jónsdóttir, coordenadora do evento e representante da Islândia no Miss Mundo 2012. “As competidoras devem ter entre 18 e 24 anos, e não podem ser casadas ou ter filhos. As regras são as mesmas do concurso para Miss Mundo, que é a próxima etapa. Todas as candidaturas serão avaliadas, mas a escolha para a competição seguirá as regras de sempre.”
Para a parlamentar Sigríður, o protesto deixou claro que houve uma mudança de valores e que as mulheres não admitem mais serem julgadas da maneira como fazem os concursos de beleza. “Hoje, em 2013, esse tipo de coisa não é mais aceitável.” Não deveria ser, mas concursos de Miss Qualquer Coisa seguem firmes e fortes no mundo todo. No Brasil houve até uma tentativa de renovação do concurso nacional nos últimos anos, inclusive com o respaldo de uma grande emissora de TV. As inscrições para o Miss Brasil 2013 já foram encerradas, mas que tal um protesto/trollagem em 2014? Na contramão das islandesas, proponho a campanha “ninguém somos Miss Brasil”: porque concursos de beleza são demodê e cheiram a naftalina, e nenhuma pessoa deveria ser avaliada, julgada e medida de acordo com a régua dos outros.
* Miss por miss, eu fico com Olive e a dança subversiva da família Hoover no adorável “Pequena Miss Sunshine”: