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O garoto que desafiou e está vencendo o império

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Asilo conquistado por Edward Snowden na Rússia revela: embora militarmente incontestes, EUA têm cada vez menos poder e prestígio internacionais

Cauê Seignemartin Ameni*

Quando se dá conta de que o mundo que ajudou a criar será pior para as próximas gerações e que esta arquitetura de opressão se estendem, você entende que é preciso aceitar qualquer risco. Sem se preocupar com as consequências”. Edward Snowden em sua primeira entrevista ao Guardian.

O ex-agente Edward Snowden deixou o aeroporto de Moscou no começo de agosto (Foto: AFP)

Irônica coincidência ou malícia do presidente russo, Vladmir Putin? Na mesma semana em que Brandley Manning, ex-soldado responsável pelos vazamentos ao Wikileaks, é julgado culpado em quase todas acusações perante uma corte marcial – salve a mais grave entre elas, de “colaborar com o inimigo” -, o inconfidente ex-agente da CIA, Edward Snowden, recebe asilo político de um ano na Rússia.

O que puderam fazer os “extremamente decepcionados” Estados Unidos depois de distribuir ameaças pelo mundo? Restou apenas reavaliar a reunião unilateral com Putin em setembro, à margem da cúpula do G20, em… São Petersburgo. O país que se desgastou internacionalmente tentando explicar o inexplicável, é obrigado a ver Putin posar de bom santo, na esperança de “não afetar a relação”. Snowden, que prometeu não vazar mais “informação que cause dano aos EUA”, parece ter sabiamente deixado suculentos papéis com Glenn Greenwald, jornalista do The Guardian que vive no Brasil.

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O jornalista acaba de revelar os detalhes de outro programa chamado XKeyscore, e destaca como a opinião pública, a imprensa e o Congresso não têm ideia do alcance da espionagem que a NSA (Agência de Segurança Nacional) faz contra todos (1).

Se a primeira vitória de Snowden tinha mudado o rumo da opinião publica norte-americana, sua segunda vitória foi ter revelado ao mundo a decadência e a arrogância dos EUA em relação às leis internacionais, soberanias nacionais e princípios fundamentais da democracia e do Direito, sem sofrer o mesmo destino dramático do ex-soldado Manning.

Ambos são jovens inteligentes, interessados em tecnologia, heróis modernos, reconhecidos internacionalmente – embora vistos como inimigos por seu governo. O mais jovem, Bradley Manning (25), revelou chocantes infrações das Forças Armadas cometidas no Oriente Médio. Também muito jovem, Edward Snowden (30), expôs ao mundo um extenso sistema clandestino de espionagem mundial que a Agência Nacional de Segurança operava. Sua principal motivação era suscitar, entre a sociedade, debate sobre a violação sistemática de sua privacidade.

Snowden enlouqueceu os EUA, ao mesmo tempo em que passava maior parte dos seus quarenta dias na zona trânsito no aeroporto de Moscou, lendo “Crime e Castigo”, de Dostoevsky, e aprendendo o alfabeto cirílico. O ex-agente que apareceu pela última vez sorridente ao lado de Sarah Harrison, do Wikileaks, e do advogado Anatoly Kucherena, responsável por sua defesa na Rússia, disparou antes de sumir do mapa, “Nas oito últimas semanas vimos o governo Obama manifestar respeito zero pela lei doméstica e internacional, mas, afinal, a lei está levando a melhor. Agradeço à Federação Russa por ter-me dado asilo nos termos do que determinam a lei russa e a lei internacional”.

Em recente artigo, de 21/7, o jornalista e ativista Kevin Zeese, ligado ao Peace Movement, relata de forma mais detalhada como Snowden atingiu o centro nervoso de Washington, e qual foi a desastrosa reação do atual governo que, em pânico pelas revelações, meteu os pés pelas mãos, mostrando ao mundo seu despreparo ao lidar com a ascensão do protagonismo na América Latina e outras potências não ocidentais, como Rússia e China. Além disso, Zeese enxerga – assim como o ex-presidente Jimmy Carter – que as revelações trouxeram um momento oportuno para os EUA repensarem seu espaço na nova geopolítica do século XXI. Washington, argumenta o texto, poderia aproveitar uma oportunidade única para corrigir sua postura imperial e reaver sua abordagem em relação a segurança nacional, política externa e interna.

Estariam os EUA preparados para rever sua postura e propor reformas, como ensaia timidamente o Congresso? Ou a obsessão de espionar, rastrear, monitorar e controlar tudo o que se faz digitalmente levará a Casa Branca a mergulhar em atoleiros muito mais dramáticos que os do Afeganistão e Iraque?

(1) O Guardian resumiu os pontos mais críticos: Um dos programas top secret da Agência de Segurança Nacional dos EUA permite que os analistas pesquisem – sem qualquer autorização ou mandado judicial – todas as vastas bases de dados em que se arquivam e-mails, chats online e os históricos de mensagens e contatos de milhões de indivíduos.

Cauê Seignemartin Ameni é estudante de Ciências Sociais da PUC-SP, pesquisador do NEAMP e editor do blog Outras Palavras. Original em Outras Palavras.

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