Portadores do HIV temem ser expulsos de comunidade
A comunidade que abriga pessoas infectadas com o HIV, seus companheiros e filhos. "Aqui é a dita sucata da sociedade: ninguém quer"
Ao meio-dia, a sirene avisa que é a hora do almoço. Na entrada do refeitório comunitário, adultos, adolescentes e crianças esperam a vez de se servir. A travesti Paula Piovany, 39, cbontrola o fluxo.
Ex-presidiários, ex-prostitutas e pessoas distantes de suas famílias compõem a comunidade de cerca de 180 pessoas que ocupa um terreno no Recanto das Emas – cidade pobre nos arredores de Brasília.
São pessoas infectadas com o HIV, seus companheiros e filhos (crianças, na grande maioria, não têm o vírus). A principal fonte de renda da comunidade são doações.
“Aqui é a dita sucata da sociedade: ninguém quer”, afirma Jussara Meguerian, 62, idealizadora da Fale (Fraternidade Assistencial Lucas Evangelista), entidade responsável pela construção das 42 casas do lote de 100 mil metros quadrados.
Jussara lembra que o terreno, do governo do Distrito Federal, foi ocupado na gestão de Joaquim Roriz, na década de 1990.
Agora, os moradores temem ser removidos com a construção de 24 mil unidades habitacionais.
“Quando fomos para lá, era mato, mas a cidade cresceu em volta. Não dá para começar tudo de novo, não somos ciganos”, diz Jussara.
SONHOS
A rotina do “bairro” segue rígido sistema de organização: às 7h, sirenes avisam a todos que é hora de acordar. Ao longo do dia, outras tantas tocam para avisar de horários de refeições e oração.
Os moradores ainda se dividem em pequenos grupos, comandados por líderes, responsáveis por resolver pequenos problemas e atender os mais debilitados. Nas casas, cartazes lembram as regras definidas pela comunidade.
Há sete anos no local, Paula Piovany é líder da cozinha, cabendo a ela selecionar os alimentos recebidos. Por 13 anos, foi prostituta na região central da capital. Na comunidade, diz ter sido acolhida. “As crianças me chamam de tia, os adolescentes me tratam com o maior carinho.”
Ali, a demanda por alimentos é expressiva. O consumo diário inclui 20 quilos de arroz, 8 quilos de feijão, 24 quilos de frango e 10 litros de leite, segundo registro de José Firmino da Silva, 50, que está há quatro anos na Fale, apesar de não ter o vírus HIV -conta ser alcoólatra.
É ele quem controla a entrada e saída da despensa, além da distribuição semanal de produtos de higiene pessoal e limpeza.
Além da cozinha, o local abriga uma pequena padaria, com maquinário cedido por um voluntário. Vez ou outra, saem sonhos desse forno.
O coquetel contra o HIV vem do SUS. Há dificuldade para encontrar os remédios para infecções comuns em quem tem Aids.
Jussara lembra que, quando o trabalho começou, havia muita desinformação sobre a doença. Hoje, ela diz que a reinserção na sociedade é mais fácil, mas a demanda por ajuda é recorrente.
“A ideia é fazer com que voltem à vida normal.”
Flávia Foreque; Johanna Nublat, Folhapress