São Bernardo do Campo é do Senhor Jesus? Vereador consegue aprovar projeto para instalar placas com dizeres religiosos na cidade paulista, mas a medida é vetada pelo prefeito
São Bernardo do Campo é do Senhor Jesus. Ao menos essa é a visão do vereador Rafael Demarchi (PSD), que conseguiu o apoio de quase todos os 27 colegas da Câmara para aprovar um projeto que previa a instalação de placas em diversos locais do município, na Grande São Paulo, com esses dizeres. O prefeito, Luiz Marinho (PT), no entanto, considerou inconstitucional a medida, apresentada em junho e apoiada pela bancada petista, e a vetou.
Demarchi é evangélico e frequenta a Igreja Bola de Neve no ABC paulista. “Fui o vereador mais ajudado por igrejas evangélicas em toda a região. Havia uma demanda dos evangélicos e de muitos pastores por essa medida”, diz o vereador. “Em São Bernardo, cerca de 90% das pessoas são católicas ou evangélicas. A proposta visava homenagear Jesus e não uma religião. A cidade já homenageou tantas pessoas, incluindo Mussolini, que era um ditador.”
O texto previa a instalação “direta ou por meio de parcerias” de placas com a inscrição religiosa nas principais vias de acesso à cidade. Elas deveriam ser colocadas, especialmente, na avenida Pereira Barreto, limite de municípios com Santo André; na Avenida Piraporinha, limite com Diadema e na Via Anchieta, no quilômetro 18. As despesas entrariam no orçamento da cidade.
Segundo Marinho, o projeto era “claramente inconstitucional”, pois traria gastos aos cofres públicos de um Estado laico por motivo religioso. “O objetivo da proposição era prestar uma homenagem, valorizar o trabalho dos evangélicos. Mas acredito que o resultado atingido seria outro. Como reagiriam os católicos, o pessoal de umbanda, candomblé, os muçulmanos (que são muitos na cidade), os sem religião? Cada um ia querer a sua placa”, disse Marinho a CartaCapital. “Não cabe a mim fomentar disputas religiosas.”
No projeto, o vereador justifica a validade da medida afirmando que o Brasil é o maior país cristão do mundo. “Talvez até fora de tempo, mas sempre em tempo, nossa cidade homenageia o Filho de DEUS, JESUS, o Cristo. A ELE toda honra e toda glória. Considerando-se a relevância da matéria, estas são as razões pelas quais esperamos contar com o apoio dos Nobres Pares para a aprovação deste Projeto de Lei”, diz o texto.
Para Demarchi, a proposta não viola as leis, pois o custo de cerca de 4 mil reais seria pago por um empresário. “Se formos analisar inconstitucionalidade por ser um Estado laico, teríamos que mudar nomes de praças, ruas e bairros que fazem referência a temas religiosos.”
Antes de vetar a medida, o prefeito avisou o vereador e se reuniu com um grupo de pastores evangélicos. “Todos que vieram compreenderam a situação. Um grupo de pastores apoiou o veto por achar que não caberia esse tipo de manifestação e que ela não contribui para a cidade”, conta Marinho.
Segundo o vereador, o projeto poderia ajudar a recuperar “valores familiares perdidos durante os anos” e não violaria o Estado laico. “Essa sempre será uma questão de interpretação do que isso significa o laicismo. O Estado é laico e não vai defender nenhuma religião, mas uma placa de homenagem não é defesa.”
A cidade, rebate o prefeito, precisa respeitar a todos sem provocar debate com viés de confronto religioso. “Isso não combina com o nosso país e com a sociedade plural que defendemos”, diz Marinho.
Gabriel Bonis, CartaCapital