"Se o PSTU quer que as 'massas' trabalhadoras ocupem as ruas, não deve empenhar-se em poluir de modo inconsequente a imagem dos blocos negros, mas buscar promover junto às massas a melhor forma de lidar com essa que é uma de suas porções mais combativas"
Leônidas Dias de Faria, Diário Liberdade
Em sua pretensa tentativa de estabelecer uma polêmica com os “Black Blocs”, o PSTU não só atribui a esses grupos uma unidade que não os caracteriza, nem mesmo internamente a cada um deles, como os ataca injustamente, como vou tentar esclarecer.
E não o faz para estabelecer uma via de interlocução, mas apenas para convencer a outros de que não lhes devem dar crédito. Exige um programa revolucionário bem delineado desses grupos heterogêneos, quase instantâneos e circunstanciais, forjados no calor das lutas imediatas por pessoas que em muitos casos sequer se conhecem, e os despreza por não disporem de tal programa, demonstrando absoluta falta de tato.
Como subtítulo de seu texto de desqualificação, o PSTU reza que a “A verdadeira ação revolucionária é a ação das massas, não a de pequenos grupos”, dando mostras de não atinar para o fato de que foi justamente a ação de um pequenino grupo o que desencadeou a série de protestos massivos de que o país vem ainda sendo palco, desde meados do mês de Junho, e que “mudaram o país”, segundo sua própria avaliação. Assim, se é certo que uma revolução ou mesmo uma reforma considerável não se conquista por obra de um pequeno punhado de gente na rua, é igualmente inquestionável que esse mesmo modesto bocado pode trazer para as vias públicas um contingente muitíssimo maior com suas ações decididas exemplares. Também fora de qualquer questionamento é que as “massas” não saem de súbito às ruas em blocos gigantescos, devendo ser motivadas a isso por uma série de atos minoritários com os quais se identificam. E tais atos são praticados, via de regra, sem qualquer intenção de pôr em marcha a revolução, mas como forma de resistir e contra-atacar em situações pontuais extremas.
As massas só saem espontaneamente às ruas em circunstâncias revolucionárias muitíssimo avançadas, posteriores a muitos atos de menor monta, e amparadas por organizações diversas que, certamente, se iniciam com pequenos grupos “vanguardistas”, internos ou não a essas mesmas massas. Não compreender isso é postular a revolução como uma ocorrência espontânea e instantânea, carente de qualquer preparo ou desenvolvimento gradual, o que nega a ideia mesma de partido que parece ser defendida pelos membros da agremiação em pauta.
Mas, para aquém disso, a que revolução se refere o desagravo desse partido? Que revolução seria essa que os Black Blocs estariam atravancando, ao invés de estimular.
Não há qualquer revolução em marcha no país, embora seja lícito imaginar que o que se passa por aqui no momento venha a se revelar, num futuro talvez próximo, como seu tímido conjunto de passos iniciais. E essa inexistência de uma revolução iminente não se deve às trapalhadas de pequenos grupos de “vândalos” desprovidos de programa revolucionário ou coisa que os valha. Talvez se deva, sim, ao menos em parte, à estagnação lamentável de que vem sendo vítima nossa rançosa esquerda institucionalizada, mesmo em sua porção não cooptada pelo PT, a qual não se dá ao trabalho sequer de uma autocrítica efetiva e mais que urgente.
Além do mais, só se pode pensar numa revolução anticapitalista levando em conta o sistema em sua globalidade, de modo que pensar em um processo revolucionário interno às fronteiras de um país é pensar em seu mero começo ou crer em quimeras, como o comunismo em um só país. Então, se os Black Blocs pecam por não terem um programa revolucionário, apesar de seu caráter circunstancial, o partido se equivoca por restringir seu propósito revolucionário às bordas nacionais, ao nosso pequeno curral.
Desse modo, é certo que não se trata de uma revolução em curso no país, assim como é inquestionável que a grande maioria dos que foram às ruas nos últimos meses sequer sonha com a necessidade de socialização da propriedade dos meios de produção, muito menos com sua promoção em escala mundial. Mas, também não se pode negar que esse mesmo propósito esteja ausente das falas públicas das figuras de destaque do partido em questão. Quem assistir o vídeo do PSTU acerca das mobilizações e ler o texto que ora critico não irá encontrar mais que alusões ao socialismo, ao lado de críticas muitíssimo acertadas ao governo atual, e a defesa de “um programa de ruptura com os banqueiros, a suspensão do pagamento da dívida e a estatização sistema financeiro”, com o qual se acredita ser possível “verdadeiramente destruir os bancos e acabar com a burguesia e o capital”. Não encontrará qualquer assertiva efetivamente revolucionária, embora encontre um excelente programa reformista, cujo fundo revolucionário consiste na possibilidade que faculta de que se promova gradativamente a apropriação coletiva dos meios de produção e a subseqüente dissolução do Estado – caso não se converta em um aberrante Estado proprietário de tipo soviético, ocupado por uma “casta” de burocratas privilegiados, sobreposto às massas trabalhadoras exploradas, como não parece ser a intenção do partido, por certo.
De todo modo, é muito mais saudável a atitude de quem sai às ruas motivado pela fúria e disposto a, inclusive, quebrar tudo (desde que seja do grande capital e de seu Estado) à sua volta, em demanda por mudanças pontuais e meramente reformistas, mas muito significativas para suas vidas reais e passíveis de motivar a transição para outras exigências mais ousadas, do que obstinar-se na guarda de formas já caducas de ação, cuja insuficiência ou ineficácia já se provou faz tempo. A primeira postura frutificou multiplicando protestos e atos de afronta que de fato importunaram os grandes poderosos, inclusive aqueles para além do anteparo político, ainda que sem atingir de qualquer modo o sistema do capital, apenas impulsionando ao fortalecimento dos manifestantes, à sua organização; a segunda culminou na desmoralização conjunta e em escala nacional dos tão aclamados partidos autenticamente de esquerda e das centrais sindicais supostamente combativas, que vieram burocraticamente atrasadas às ruas, para burocraticamente passear com seus carros de som, com os quais buscaram bruscamente abafar as vozes divergentes, e entoando também burocraticamente suas palavras de ordem, ao lado de um bando de militantes pagos, pelo menos no caso de algumas organizações, com destaque para aquelas cooptadas pelo o atual governo, com quem as demais acharam por bem passear numa tarde ensolarada de inverno.
Um ponto importante a notar sobre a ação dos grupos que o partido desqualifica é que, apesar de não disporem (como é mais que compreensível) de qualquer programa revolucionário anticapitalista sequer alinhavado, eles se voltam exclusivamente contra lojas e outros empreendimentos do grande capital, bem como contra equipamentos do Estado. Não se vê, senão como exceção, a depredação de pequenos comércios ou de bens de consumo de trabalhadores. Vê-se, via de regra, o ataque a grandes concessionárias, bancos, mega-conglomerados educacionais, para além de equipamentos estatais diversos, como radares-de-trânsito-caça-níqueis. Além disso, só se os vê como reação à violência policial ou à intransigência de seus mandantes imediatos. Acertadamente, revidam contra os bens de capital quando motivados pelos ataques do capital ao seu bem estar. Daí que se pode questionar: em quê os passeios burocráticos dos “trabalhadores organizados” em partidos e sindicatos “de época” são mais contundentes para o sistema da propriedade privada?
Prosseguindo com sua insólita investida contra os Black Blocs, o PSTU se diz contrário às “ações vanguardistas por parte de grupos que se aproveitam das mobilizações para aplicar seus métodos, descolados do movimento”. Mas não cabe, quanto a esse ponto, observar que muitíssimo mais descolada das movimentações nas ruas está a velha esquerda rançosa que se aninha, em parte, também sob essa sigla?! Pega de calças arriadas e sem qualquer coisa de válido a dizer, lança acusações dogmáticas contra aqueles que não seguem a sua cartilha. Ao invés de engrossar as fileiras que estão nas ruas e de tentar abrir diálogo com as forças efetivamente em operação, reconhecendo-as como suas próprias forças, busca deslegitimá-las, combate-as, com vistas a neutralizar o potencial que deveria se empenhar em explorar. Por isso, não se pode dizer que essa esquerda jurássica tenha se aproveitado do movimento em curso como o fizeram os movimentos que o PSTU critica, mas deve-se dizer que não o fez apenas por incapacidade, por incompetência, ou por indolência e indisposição.
Embora aponte algo de efetivamente problemático em boa parte dos Black Blocs, que é sua ausência de conteúdo revolucionário, a crítica do PSTU não contribui para infundir esse elemento em tais grupos, restringindo-se à tentativa de desmoralizá-los, fazendo o jogo das forças que deveria combater. O partido não percebe que a busca de diálogo para a construção conjunta de uma proposta verdadeiramente revolucionária seria muitíssimo mais positiva do que seu ataque inconsistente e injusto. Mas por que o PSTU quer simplesmente tirar esses blocos da rua e alertar os verdadeiros revolucionários quanto ao mal que representam, ao invés de se empenhar em imbuir esses grupos de ideais efetivamente revolucionários, no caso de faltar-lhes de fato? Por que sequer tenta fazê-lo? Por que não tenta mesmo estabelecer uma polêmica com os blocos negros, como sugere erroneamente o título de seu ataque, ao invés de reduzi-los a um bando de desajeitados que não fazem mais que atirar nos próprios pés?
Arraigados como estão em seus dogmas, assim como aderidos que estão à sua auto-imagem de vanguarda proletária, os autores do texto crítico (que acredito não representarem de fato a totalidade do partido, mas de todo modo falam por ela) dão mostras de pouquíssima perspicácia histórico-analítica. Além de não notarem o potencial revolucionário a ser explorado em um grupo minoritário de pessoas dispostas a lutar com todas as poucas armas de que dispõem mesmo sem ter um propósito claro que não o desabafo e a vingança, como ocorre por vezes, aqueles senhores revertem esse contingente aguerrido de manifestantes à bacia da direita, reduzindo-os a instrumentos úteis à repressão das massas pela polícia e, portanto, a agentes do capital contra o trabalho. Não só não sabem como encaixar essa turma no seu esqueminha pré-moldado de revolução, como também minam suas próprias forças ao se contraporem a ela de modo tão injusto, fazendo-se criticar por parte daquele crescente grupo que a compõe ou apóia.
Os que redigiram o texto não notaram que se trata, na atuação desses grupos, de uma manifestação de insatisfação e de disposição para a luta, a qual pode, certamente, culminar em procedimentos muitíssimo mais fecundos de intervenção transformadora, caso perseverem em operação e reflitam com rigor sobre sua própria ação. Se defendem a “violência revolucionária como parte da luta das massas e não de grupos de vanguarda”, como é que imaginam ter um possível início essa mesma luta, senão por obra de grupos de “vanguarda”, se é isso mesmo que se pode ver nos Black Blocs? Como é que acreditam que “as massas” sairão às ruas para violentamente “mudar o país” (conforme sua estreita pretensão), sem que uns poucos saiam antes? E como é que querem que as massas venham efetivamente às ruas, inclusive com violência, se a burocracia do “movimento dos trabalhadores organizados” de que participam faz tardar a entrada desses últimos na luta em vários dias e a reduz a uma parada patética, a um “desfile de 7 de Setembro”, pra usar as palavras de um amigo?
Quando diz que “as greves e manifestações de ruas são o caminho pelo qual a classe trabalhadora e a juventude podem mudar o país e garantir as transformações sociais necessárias”, o PSTU parece trazer implícita uma distinção que exclui dessas manifestações a inegavelmente real presença crescente de “vândalos” em ação nas ruas do país, bem como de todo o mundo. Além disso, parece condicionar a realização das greves à mais demorada e injustificável odisseia burocrática, que em nome dos trâmites perde o passo com as demandas das ruas, dado que em momento algum exortou os mesmos trabalhadores a paralisarem imediatamente e por tempo indeterminado suas atividades (ainda que tomando todas as medidas técnicas de cautela, que não foram a razão dos atrasos a que me refiro), em apoio aos manifestantes que iam às centenas de milhares para as ruas. Do mesmo modo, parece perder de vista que “a juventude” brasileira e mundial já é trabalhadora há bastante tempo, tendo inclusive que trabalhar desde muito cedo para ajudar em casa e para pagar seus próprios estudos, que continuam a ser pagos pelos jovens inclusive depois de se formarem, com o salário que vierem a receber se tiverem a sorte de se fazerem empregar lucrativamente pelo capital.
Se quer mesmo “transformações sociais”, se as vê como “necessárias”, o partido que pretende unificar os trabalhadores sob o socialismo deve atinar para o fato de que eram trabalhadores que se manifestavam legitimamente todos aqueles que estavam quebrando coisas, tentando atingir o capital e conseguindo fazê-lo, ainda que de modo pouco relevante, a não ser se visto como momento da formação para a luta mais profunda e articulada que parece se anunciar para as próximas décadas. Se hoje, em contexto nada ou pouco revolucionário, esses grupos se formam com pessoas tão dispostas a se arriscarem tanto em prol de seus anseios e buscam atendê-los tentando ferir o grande capital e seu Estado, em um contexto que demonstre potencial efetivo para a grande transformação é ingênuo imaginar que essas mesmas pessoas não estariam (ou estarão) dotadas de mais clareza quanto aos mais elevados objetivos a aspirarem e pelos quais lutarem.
Portanto, não é de escandalizar a ausência de perspectiva revolucionária em grande parte dos membros dos Black Blocs ou mesmo em grupos inteiros deles, nem será de surpreender que assumam gradativamente essa perspectiva, sob influência daqueles que já as têm e de outros inúmeros fatores, se persistirem em sua luta, recorrendo a esta tática de “vandalismo” sempre que a circunstância o exigir. O que é espantoso nessa história toda é o PSTU se ver absolutamente sem o que fazer com relação a esses blocos, parte inegável e significativa da luta anticapitalista global, senão forjar uma falsa polêmica com vistas a atacar esse importante elemento das forças populares em pugna, fazendo lembrar a agressão que sofreram seus próprios militantes por parte dos ingênuos ou maliciosos anti-partidários que atuaram no início dos acontecimentos de que se trata.
Ainda atacando os blocos negros, que “defendem a utilização do método das depredações das fachadas de bancos, empresas, lojas de grifes e tudo o que simboliza o capitalismo porque, assim, estariam enfraquecendo o sistema” prossegue o partido:
“Nós, do PSTU, não temos nenhum apreço por essas instituições. Muito pelo contrário. Mas, consideramos que esses métodos não enfraquecem os grandes empresários. Ao contrário, lhes dão um argumento para jogar a opinião pública – e muitos trabalhadores – contra as manifestações e, assim, preparar a repressão. Sua “ação direta” é típica de setores de vanguarda, descolados das massas, que terminam por fazer o jogo da direita, justificando a repressão.”
Nesse trecho, a lógica parece ser: não façamos algo que possa despertar a ação violenta da polícia, como se isso fosse necessário, nem a apreciação negativa da opinião pública, como se a própria mídia já não se encarregasse dessa empreitada. Algo menos revolucionário que isso talvez não seja possível. Isso, sim, é fazer o jogo da direita.
Quanto ao descolamento das massas, o oposto disso foi evidenciado pelo reforço feito aos grupos de anarquistas em combate por parte de pessoas da periferia que encontram no Rap ou no Funk o máximo de politização possível de sua visão de mundo, pessoas furiosas que cerraram fileiras com aquela turma “vanguardista” que ouve Punk para reagir aos desmandos da polícia, atingindo também o patrimônio de seus mandantes, imediatos e remotos: o Estado e o capital.
Quanto a não enfraquecerem em nada os grandes empresários e mesmo seus representantes políticos, não creio ser essa uma afirmação prudente, dado que há várias formas e graus de enfraquecimento possível. De todo modo, segundo me parece, essas ações “violentas” aqui sob avaliação não fortaleceram o capital, como dá a entender a crítica do PSTU, cujo sentido último talvez seja o receio de “queimar-se” com a opinião pública – que também talvez seja o motivo pelo qual o partido só fala de um governo socialista e nunca de comunismo sem Estado, embora se valha da retórica da revolução contra o capital.
Mesmo que seja o caso de, em alguns episódios, membros de Black Blocs haverem incitado a repressão policial violenta e indiscriminada contra os manifestantes (o que só pode ter ocorrido, é bom lembrar, depois da primeira agressão policial injustificada aos participantes da manifestação-estopim do levante brasileiro, no dia 6 de junho), esta incitação pode curiosamente ser vista como um dos aspectos positivos da ação desses grupos. Isso por que, de um modo ou outro, trouxe à tona (com o auxílio das novas formas independentes de mídia, também sequer imaginadas pela esquerda mofada) o quão despreparado é o Estado para combater até mesmo a forma mais improvisada de ataque popular, contra a qual fracassaram muitas de suas estratégias. O que se mostrou com sua ação, para todos os que têm um pouco de perspicácia, foi que somente a utilização massiva de armas letais poderá conter os grandes levantes populares que se estão nutrindo contra o absurdo que o sistema global vem nos impondo como vida, insurreições que se anunciam para os próximos anos, apesar da modorra dos partidos e sindicatos poeirentos. Neste momento não cabe, portanto, culpar os blocos negros pela violência do Estado, mas buscar meios efetivos de fazer frente a ela, lutando lado a lado com esses mesmos blocos, cuja força e disposição não se pode desprezar. É hora das esgarçadas instituições de esquerda se regenerarem, valendo-se para isso das energias que brotam à revelia de seus manuais.
Embora não se saiba em que momento será autorizado e ordenado aos fardados que atirem com chumbo contra os revoltosos, pode-se ousar dizer que, nesse momento incógnito, mas plausível, muitos já terão desistido de seu sonho de ser policial e nem todos os aqueles ainda em serviço estarão dispostos a alvejar seu próprio povo em defesa de seus algozes comuns. Contra a doutrina militar a que são submetidos em sua (de)formação, vem se insurgindo com força crescente a condenação massiva de sua nocividade social, veiculada principalmente pela internet e gritada a plenos pulmões nas praças, ruas e avenidas de todo o país. Serem reconhecidos pelo público, como o foram nesses últimos episódios, enquanto meros cães de guarda dos capitalistas e de seu Estado, certamente foi algo que despertou muitos policiais para a bestialidade de sua própria função social precípua, bem como para sua vulnerabilidade. Muitos dos que hoje vestem fardas e agridem manifestantes certamente perceberam, e outros deles ainda perceberão, que sua força pode ser mais justamente aplicada se for posta à disposição dos que lutam pelo povo, ao invés de reforçarem as fileiras de quem o combate. E se não fossem os confusos e muito questionáveis Black Blocs certamente seria menor o número desses convertidos.
Quanto à ação do PSTU nos referidos eventos, se não gerou qualquer efeito negativo, o que talvez possa ser questionado, tampouco fez algo que os influenciasse positivamente de modo significativo. O máximo que os vi fazendo de diferente foi baixar suas bandeiras ou substituí-las por outras menos polêmicas, atendendo ao clamor dos “sem-partido”, para prosseguir em paz com o seu passeio.
Quanto aos infiltrados da polícia nos Black Blocs, é bom notar que no mais das vezes eles foram percebidos e enxotados pelos próprios grupos que, embora não sejam muito organizados nem tenham seus membros cadastrados e portando carteirinhas, dispõem de traços comuns que lhes permitem excluir de si os chamados P2, ainda que não totalmente. Além disso, cumpre lembrar que também entre membros do MST, ou qualquer outro movimento, há demônios disfarçados, dos quais nem sempre o grupo é capaz de se livrar com presteza e completude e que geram muitíssimos males durante sua estada. Mas não se devem condenar os movimentos mesmos por isso, devendo a culpa recair sobre aqueles que se infiltram para lesá-los. Ou não?
Prosseguindo em sua agressão àqueles a quem a mídia convencional também ataca, sob a pecha de “vândalos”, o PSTU assevera que:
“Os métodos de luta e as ações radicalizadas das massas (como as greves, os piquetes, as ocupações de fábricas, de latifúndios, prédios públicos etc.) são muito mais eficazes e muito mais revolucionárias do que quebrar vitrines e lojas”.
Com essas palavras o partido dá a entender que “as greves, os piquetes, as ocupações de fábricas” e demais “métodos de luta” se empregam ao mesmo tempo e envolvendo centenas de milhares de pessoas, uma vez que afirmou acima a impossibilidade de ações revolucionárias por parte de pequenos grupos. Daí que a Flaskô, por exemplo, que só congrega cerca de 70 operários, não pode ser vista como algo que tencione sequer um pouco para além do capital. Somente quando todos os trabalhadores saírem às ruas, tomarem as fábricas e prédios públicos etc., teremos um movimento revolucionário (ou, melhor dizendo, teremos a revolução, não só em curso, mas em estado avançado). E isso nos leva à ideia de que a revolução ocorrerá em um só dia, sem processos preparatórios diversos e em grande parte difusos ou mesmo confusos, como seria de se esperar.
Além do mais, o partido dá a entender que se trata de estabelecer uma competição entre os referidos “métodos de luta”, com vistas a identificar os mais revolucionários, ao invés de se tratar de fazer convergirem todas as forças progressistas em um projeto efetivamente revolucionário capaz de acolhê-las e potencializá-las em uma unidade consistente, embora heterogênea.
Encaminhando um desfecho à sua crítica, o PSTU afirma:
“Não somos, nem nunca fomos pacifistas. Mas é a violência das massas, e não de um pequeno grupo, que poderá fazer a revolução. As ações desses pequenos grupos facilitam a repressão da polícia contra as massas nas passeatas.”
Diante disso e após o que já disse a respeito, apenas proponho algumas questões: Como pode a violência das massas surgir senão sob empuxo de uma minoria violenta, que certamente provém de suas próprias fileiras? Sairão todos ao mesmo tempo, de chofre, para o quebra, assim do nada? Essa etapa capitaneada por grupos pouco conscientes (ainda que munidos de alguns membros muito bem instruídos e marcados por graus e tipos variados de consciência, o que é algo positivo), mas muito sinceros e decididos, não deve ser vista como o início de algo a que se deve dar continuidade, ainda que complementada por meio de ações distintas? Esses grupos devem mesmo ser vistos como um mal absoluto a ser eliminado, mesmo quando se percebe que seu oponente é o capital e que sua violência (muito menor que a do capital mesmo, principalmente por não ser assassina) é, portanto, dirigida contra o alvo certo, ainda que de modo pouco contundente?
Além disso, é bom também questionar: Se não fossem esses grupos, a polícia iria mesmo se abster de atacar os manifestantes com suas bombas de gás e balas de borracha, como já faz há tempos e fez novamente no início dos eventos em tela? Se não existissem esses grupos dispostos a fazer frente aos fardados e conter sua violência com violência, não avançariam os demônios sobre a população pacífica do mesmo modo, utilizando de outro recurso, como a composição de seus próprios Black Blocs P2?
Ao invés de propor questões desse talhe, o PSTU sustenta que:
“É preciso deixar clara a inconsistência no programa e na ação desses grupos que, na verdade, são reformistas e radicais apenas na ação. Existem muitos ativistas sérios que se deixaram atrair pelos ‘Black Blocs’ e já começaram a ver os problemas. Agora, é necessário que reflitam sobre isto.”
A meu ver, toda a crítica do PSTU deixa clara a sua própria inconsistência ou, no mínimo, insuficiência, bem como seu próprio caráter reformista. Sob o disfarce da instauração de uma polêmica, o partido exorta a que se deixe de lado qualquer intenção de adesão ou mesmo simpatia pelos blocos criticados, como o fizeram “muitos ativistas sérios”, ainda que tardiamente. E o faz com ares de quem propõe uma reflexão fecunda.
Não participo de nenhum desses blocos que aqui defendo de tão injusta crítica, ainda que não negue a possibilidade de eventualmente vir a fazê-lo, e tenho mesmo muita antipatia à pretensão de alguns de seus membros de ser a “elite” das manifestações, como se diz em um vídeo ridículo de um sujeito que se intitula integrante de um dos blocos atuantes no Rio, se não me engano – vídeo patético em que também se ouve que, além de proteger os manifestantes, uma de suas funções é a de “coibir práticas de saque”, fazendo as vezes da maldita polícia contra a qual se insurgem. Não comungo do reformismo desse sujeito do vídeo e de seus colegas, cujo objetivo é uma nação sem ou quase sem corrupção, bem como tenho ressalvas ao anarquismo rasteiro de alguns; no entanto, reconheço no Estado um tumor a ser removido juntamente com o capital, como o faz uma boa parte dos anarquistas e comunistas autênticos (cuja distinção, para ser sincero, é para mim inidentificável), inclusive o esclarecido jovem que concedeu uma bela entrevista à nem sempre bela Carta Capital.
Os Black Blocs, em sua heterogeneidade e fluidez, já deixaram claro que não sairão das ruas, tendendo na verdade a ocupá-las cada vez mais, tanto com maior frequência, como em um número crescente de lugares e com um contingente cada vez mais volumoso, conectado com os mais variados movimentos e causas sociais progressistas atualmente relevantes. Então, se o PSTU quer que as “massas” trabalhadoras ocupem essas mesmas ruas ou que não as deixem, não deve empenhar-se em poluir de modo tão inconsequente a imagem desses blocos negros, mas buscar promover junto às massas a melhor forma de lidar com essa que é uma de suas porções mais combativas, dispostas a lutar de verdade por uma vida que o capital não pode suprir.
Espero sinceramente que as grandes figuras que eu sei ser militantes deste partido não reforcem a posição expressa na referida crítica infeliz, mas que adotem conjuntamente uma posição distinta e contrária, com vistas a forçar uma correção nos rumos da mesma agremiação, das pouquíssimas com que ainda pode contar de algum modo quem quer ver as coisas realmente mudando para melhor aqui em nosso curral, tencionando para que mude também além de suas cercas.
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