Estudante de Direito pelo Prouni tenta refundar Arena de 1964. Cibele quer presidir partido que propõe retomar os caminhos da legenda criada nos anos de chumbo no Brasil
Cibele Bumbel Baginski, de 23 anos, é estudante de Direito, gosta de heavy metal e é presidenta da Aliança Renovadora Nacional (Arena), um dos novos partidos que tentam se viabilizar legalmente para fazer parte do quadro político brasileiro e, mais do que isso, participar das eleições já em 2014. Não é por acaso que o partido tem o mesmo nome da legenda criada para dar sustentação política ao governo instituído pelo golpe militar de 1964.
Em sua página na internet, os refundadores da agremiação se dizem majoritariamente jovens. Mas se espelham na história do partido criado em 4 de abril 1966 e não escondem sua ideologia, arrogam sua continuidade. “O movimento conta com a adesão de várias correntes da direita, tal qual a origem da Arena originária”, explicam. Segundo a apresentação, “participam do processo correntes liberais, conservadoras, cristãs, monarquistas, parlamentaristas, e outras”.
A Arena pediu no dia 30 de agosto, junto ao Tribunal Superior Eleitoral, um registro provisório para disputar as eleições em 2014 e está muito longe de conseguir comprovar as 492 mil assinaturas necessárias, exigidas por lei, para conseguir o registro definitivo dentro do prazo, que se encerra em 5 de outubro próximo. Mesmo assim, a presidenta diz estar otimista e afirma que o partido tem “aproximadamente 300 mil assinaturas”. Mas são estimativas internas, e não dados oficiais da Justiça Eleitoral.
Como os integrantes da Rede Sustentabilidade de Marina Silva, Cibele diz que os tribunais estão demorando muito no trabalho de conferência das assinaturas. Ela diz que a regra eleitoral que exige as assinaturas está errada e permite corrupção, porque, segundo diz, as assinaturas podem ser “compradas”.
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Confira abaixo a entrevista concedida por Cibele à Rede Brasil Atual.
Vocês entraram com pedido de registro provisório no dia 30 de agosto para concorrer nas eleições já em 2014?
Isso mesmo. Mas, querendo ou não, esse requisito das assinaturas, nós entendemos como uma espécie de permissividade à compra de votos, porque não existe fiscalização nenhuma em cima dessa busca de assinaturas. Incentiva-se que o partido seja desonesto na origem, não existe nada da Justiça Eleitoral fiscalizando de onde vem o dinheiro. Não existe nada que proíba a compra de assinaturas, por meio de máquina sindical, ou utilizando outros meios, como sorteio de brindes.
Você acredita ser possível obter o registro definitivo faltando menos de um mês para encerrar o prazo?
Espero que consigamos o registro, porque queremos demonstrar nas urnas que temos representatividade e apoio popular de caráter nacional. Não estamos pedindo nenhum tipo de vantagem, queremos simplesmente concorrer nas urnas. Pedi o registro provisório exatamente para a gente mostrar nas urnas que temos mais de 500 mil pessoas que apoiam essa ideia. Eu não acredito que precisamos ter essas assinaturas agora, mas na eleição, e é isso que quero explicar ao pessoal do TSE.
Mas, pela lei, vocês precisam das 492 mil assinaturas reconhecidas pelo tribunal, justamente para participar da eleição.
Essa lei está errada. A lei não diz que eu não posso pedir o registro provisório. A demonstração de caráter nacional não é feita comprando assinaturas, é feita na eleição. Nós entramos com um incidente de inconstitucionalidade, junto ao nosso pedido de registro, porque isso (a exigência de listas de adesão) vai contra a Constituição, é um incentivo à compra de votos.
Por que refundar a Arena?
Começamos em 2012 e a intenção sempre foi criar um partido que pudesse trabalhar de um jeito diferente do que se tem por aí. O nome do partido foi escolhido em votação, e não sabíamos se era possível usar. Nos informamos, ligamos ao TSE e deu certo.
Não é contraditório falar que são “diferentes do que se tem por aí” se a Arena e essas ideias vêm desde os anos 1960, de um partido de ideias conservadoras?
Isso é até curioso, mas a gente consegue trabalhar de um jeito diferente porque, para começar, a gente chama a atenção. Tu já obriga a pessoa, por mais neutra que seja, a tomar uma posição, e isso é o primeiro passo em política, mesmo para quem não está acostumado a lidar com política. Tem muita gente jovem no partido, então isso já é bem diferente, porque a maioria dos partidos tenta sufocar as ideias jovens para que eles não tirem os espaços que pessoas mais carimbadas estão ocupando. Se for pelo nome Arena em si, demorou 30 anos para alguém jovem levantar esse nome de novo. Por que ninguém teve coragem antes? A proposta por si só é inovadora. Temos várias propostas para aplicar e mostrar que o partido pode trabalhar de um jeito moderno e ser bem representativo.
Por que jovens e tão conservadores?
O conservadorismo não presume que a gente tenha de estar numa lata de formol. O conservadorismo não é algo retrógrado, de simplesmente impedir o progresso da humanidade. Isso é outra coisa. O conservador valoriza uma estrutura social sólida, que atende bem as pessoas e não é contra as mudanças, mas não quer que as mudanças venham trazer transtornos à sociedade, mas que venham de forma ordeira, seja eficiente para as pessoas.
As mudanças trazidas pelos governo Lula e Dilma são benéficas ou não nesse contexto?
Tem muitas mudanças que, querendo ou não, independentemente de qual governo fosse, iriam acontecer. Mas algumas mudanças às vezes são provocadas pelo governo que acabam tomando um rumo que não é bem o que as pessoas esperam.
Por exemplo?
A questão das universidades. Comento isso até porque eu própria sou universitária. Os programas governamentais para as universidades públicas tapam o sol com a peneira, porque o maior problema das pessoas de as escolas públicas não conseguirem entrar na universidade não é terem cor de pele diferente, terem origem indígena, o problema é a que a educação pública é uma porcaria. Tem de tratar o problema na raiz, dar educação de qualidade pra todo mundo. O nível está tão baixo que pessoas na 4ª série não sabem ler.
Mas você sabe que a competência constitucional da educação no ensino médio e fundamental é do estado e municípios, não?
Isso não quer dizer que não se possa criar um programa nacional que vá incentivar a melhoria dos currículos e padronizar, para aumentar a qualidade, obrigação de todo governo. As competências são municipais e estaduais, realmente. O que acontece é que tem vários estados do Brasil, como o Rio Grande do Sul, que estão praticamente falidos. A Constituição Federal fala da obrigação do Estado de fornecer educação de qualidade para a população como um princípio básico. Então não é errado o governo federal criar um programa para atender o sistema educacional, fazer um planejamento de melhoria de currículo, incentivo à qualificação do professor no país inteiro; poderia contribuir com alguma ajuda material, assim como têm investimentos federais em hospitais, em Porto Alegre e em outras cidades. Não é proibido, é até necessário.
Você não acha positiva a instituição do Prouni no país, que permitiu até que você mesma chegasse à universidade?
Sim, é positivo, mas esse programa já foi planejado nos anos 60, só que demorou até alguém pegar e ver que tinha que ser aplicado. O governo deveria ter aplicado antes, com certeza.
Vocês consideram positivo o regime militar (1964-1985) no Brasil?
Sim, teve várias coisas positivas, uma delas que infelizmente foi sucateada ao longo do tempo é o sistema ferroviário. Ele hoje funciona de maneira muito reduzida, poderia ser uma ferramenta de integração nacional para desenvolver outras regiões. É um investimento que a gente acredita que tem de ser feito. É um exemplo de coisas interessantes que eles fizeram, porque começaram a desenvolver em grande escala as malhas ferroviárias nos anos 70, o problema é que ninguém continuou depois. Tem a criação do Incra, sobre a questão da reforma agrária.
O que acha da tortura e dos assassinatos que o regime militar cometeu contra militantes de esquerda?
Acredito que todo governo tem seus problemas. Tanto esse governo, como o de Getúlio Vargas, quanto o governo atual, todos eles têm seus problemas. E não é uma coisa ruim que vai tirar os méritos de um governo. O governo FHC, o governo Luiz Inácio Lula da Silva, o governo Dilma, o governo Figueiredo lá para trás, todos esses governos têm coisas boas e ruins. A gente não pode medir o governo inteiro por atos de funcionários do sistema. Duvido muito que a presidente Dilma saiba o que um auditor da Receita Federal numa cidade do Sul, por exemplo, está fazendo. Assim como antigamente também garanto que o presidente não sabia. Não tem como personalizar a culpa.
Há informações de que o ex-presidente Ernesto Geisel sabia das torturas e torturadores frequentavam seu gabinete.
Se o governante sabia disso e deixava isso acontecer, aí a consciência dele é que pesa.