Por uma verdadeira independência
No mês em que se comemora o aniversário de independência do Brasil é importante que uma indagação venha à baila: temos mesmo uma independência para comemorar?
No mês o qual se comemora o aniversário de independência do Brasil, o sentimento de patriotismo parece ter sido o menor em muitos anos. No Rio de Janeiro, manifestantes conseguiram impedir a tradicional passeata cívico-militar, e em outras capitais os conflitos não ficaram tão atrás da carioca, com especial destaque para São Paulo, Brasília e Recife. Bem, mas será que realmente temos uma independência para comemorar?
A pauta das privatizações está sendo posta por diversos movimentos sociais e partidos políticos de esquerda. Nas próximas semanas deverão ser leiloadas as concessões das estradas federais (dos estados do ES, MG, BA, TO, GO, MT, MS e DF). Esta operação será – para a surpresa geral da nação (sic!) – financiada em 70% pelo próprio governo, via BNDES. Ou seja, dizem que é importante o aumento do investimento, no entanto, a esmagadora maioria do investimento vem dos cofres públicos, o que mostra que dinheiro para o Estado investir não falta. Em relação aos aeroportos, três já foram vendidos desde o ano passado, o de Guarulhos, de Campinas e de Brasília. Além destes, outros já estão na fila. Já os leilões do pré-sal estão a todo vapor, apesar de que na campanha eleitoral de 2010, a própria Dilma Rousseff ter dito que era contra a sua venda e que isto era coisa do José Serra com a turma do contra, a tucanada.
Leia também
No entanto, o que me proponho a discutir neste artigo é uma privatização ainda pior, que já vem de longo período, uma privatização do próprio orçamento federal, a inacabável dívida pública.
E a pergunta sobre a independência passa a ser, e então, somos independentes dos grandes bancos?
A nossa eterna dívida pública
Os leitores deste site já devem ter visto uma imagem parecida com a de baixo, provavelmente pelo belo trabalho da organização “Auditoria Cidadã da Dívida”, chefiada pela economista Maria Lúcia Fatorelli.
A sua visualização causa indignação para qualquer cidadão brasileiro, pois só assim que sabemos para onde vai quase metade do nosso orçamento, fruto do esforço de milhões de trabalhadores que pagam diariamente os seus impostos, para os grandes bancos! E a educação? Tem apenas 3,75% do orçamento destinado para ela, para ser mais exato do que na aproximação do gráfico. E a saúde? 4,58%. Talvez banqueiro seja mais importante do que educação e saúde, em nosso país. Vai saber..!
Mesmo em um contexto de crise econômica mundial, o que fez despencar as taxas de juros por todo o mundo, o Brasil ainda mantém uma das maiores taxas reais de juros dentre os principais países, pago pelo Tesouro Nacional. Até agosto, o Brasil estava em terceiro lugar em taxa real de juros, no entanto, com o último aumento da SELIC, que passou para 9% ao ano, provavelmente ultrapassou o Chile, ficando apenas atrás da China. Nos juros privados, a coisa não é diferente. Segundo o PROCON-SP, a taxa média de juros anual cobrado pelos bancos com o cheque especial é de 149,9%, já para empréstimo pessoal, é de 84,24%.
Isto reflete na lucratividade destes bancos. No primeiro semestre do presente ano, o Banco do Brasil e o Itaú-Unibanco tiveram os maiores lucros da história do sistema financeiro brasileiro, juntos eles totalizaram R$17,25 bilhões, em apenas seis meses. Ou seja, “nunca antes na história deste país os bancos lucraram tanto!”, poderíamos ainda estender que “[…] nem as famílias se endividaram tanto”.
O privilégio dos bancos no Brasil pode ser explicado de diversas formas. Um fator a ser considerado para mensurar esta ligação seria o quanto eles doam para as campanhas eleitorais. Segundo levantamento do Portal G1, para as eleições de 2012, a categoria “Banco, Investimentos, Consórcio e Seguros” doou R$51,28 milhões para a totalidade das candidaturas pelo país. O interessante seria contrastar com as doações para os candidatos pelos seus partidos, que doaram 60% a menos do que os bancos – o que poderia pôr em dúvida: a quem os candidatos precisam dar um feedback, às suas organizações, ou ao grande capital financeiro?
Enfim, poderia continuar com várias outras análises que comprovam a ligação espúria entre governo e banqueiros, mas creio que os brasileiros já se convençam disto todos os dias que veem os juros em seus empréstimos e cartões, ou quando dão de cara com o gráfico divulgado aqui.
Mas o que fazer?
A grande mídia, os governos e, principalmente, os banqueiros morrem de medo de uma palavra: “calote”. Ao longo das últimas décadas, vários foram os exemplos de países que deram calote em suas dívidas, tal como o próprio Brasil, e mais recentemente a Argentina, na crise bancária do começo da década passada.
No entanto, um caso em especial causou horror aos bancos europeus, nesta crise atual, a Islândia. Ao invés de impor austeridade e pobreza aos trabalhadores do seu país, como o fez Portugal, Espanha e Grécia, ajoelhando-se de frente ao FMI para que rolassem sua dívida, ou emprestasse ainda mais dinheiro, a gelada ilha resolveu, em 9 de abril de 2011, decretar um calote bilionário. E qual foi o resultado? O país saiu da crise, diferentemente dos outros países do continente, e voltou a crescer, diminuindo a sua taxa de desemprego.
Bem, será que o Brasil poderia adotar a mesma receita islandesa? A decisão, garanto, é política, e não técnica. Espero que um dia deixemos de arrancar 42,73% do orçamento do nosso país para entregar de mãos beijadas aos banqueiros, enquanto que a educação receba míseros 3,75%, afundando nosso país ainda mais em pobreza e falta de perspectiva para nossos jovens.
*Eric Gil é economista do Instituto Latino-americano de Estudos Socioeconômicos (ILAESE) formado pela Universidade Federal da Paraíba, mestrando no Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná; escreve quinzenalmente para Pragmatismo Político