"Bolsonaro e representados defendem a antítese da democracia, apesar de só continuarem podendo se expressar livremente por conta dela"
Leonardo Sakamoto, em seu blog
Bolsonaro é tosco? Sim, ele é. Mas não é burro. E nem está sozinho.
Representa uma camada da população que divide com ele a visão de mundo e tem orgasmos múltiplos ao ouvir as estripulias de seu deputado. Estripulias que não vêm de rompantes do fígado, mas são milimetricamente calculadas para ganhar espaço da mídia.
Todos os pontos de vista merecem ter voz em uma democracia. O problema é que a visão de mundo de Bolsonaro e representados torna o diálogo e mesmo a convivência pacífica impossíveis. Um estranho paradoxo: Bolsonaro e representados defendem a antítese da democracia, apesar de só continuarem podendo se expressar livremente por conta dela.
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Na mais nova presepada, ele teria socado o estômago do senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP), na manhã desta segunda (24), durante um bate-boca na entrada da Comissão da Verdade no 1o Batalhão de Polícia do Exército, onde funcionava o DOI-Codi, centro de torturas durante a Gloriosa. Bolsonaro admitiu tê-lo “empurrado por baixo” e, ao final, conseguiu entrar no quartel, mas não acompanhou a visita da comitiva para a qual não estava convidado.
“Se eu dou um soco nele, eu o desmonto. Boto ele no chão para dormir três dias”, marrento como Anderson Silva. O PSol deve entrar com – mais uma – representação contra o deputado carioca.
Vamos ao ponto: ele não é causa e sim consequência. Verbaliza a visão de uma parte da sociedade que reproduz processos que mantém a opressão, a dor e o preconceito. Ou seja, o que me angustia não é ele e um grupo de gente com ideias cheirando a naftalina, mas que parte do Brasil está com ele. Nas rodas de amigos em bares, mas mesas de jantar com a família, na hora do cafezinho no trabalho ou no silêncio do banheiro, lendo as notícias do dia no tablet. De todas as idades. De várias classes sociais.
Bolsonaro tinha 29 anos quando Figueiredo deixou o Planalto para cuidar de seus cavalos. Ficou 15 anos no Exército e mantinha-se na Câmara dos Deputados devido à sua defesa dos direitos trabalhistas dos militares (pela quantidade de rifles que desaparecem dos quartéis no Rio e reaparecem nas mão do tráfico, verifica-se como os salários são vergonhosamente baixos). Daí, foi se destacando na defesa de assuntos simbolicamente relevantes para os seus representados.
Bons exemplos disso não faltam. Foi ele quem colocou um cartaz na porta de seu gabinete na Câmara com os dizeres “Desaparecidos do Araguaia, quem procura osso é cachorro”, zombando das famílias de vítimas da Gloriosa e dos esforços do governo federal para encontrar as ossadas dos guerrilheiros mortos pela ditadura e enterradas em local que o Exército nega revelar.
Ou o machismo truculento presente na entrevista dada para a revista Isto é Gente, em 2000: “Meu primeiro relacionamento despencou depois que elegi a senhora Rogéria Bolsonaro vereadora, em 1992. Ela era uma dona-de-casa. Por minha causa, teve 7 mil votos na eleição. Acertamos um compromisso. Nas questões polêmicas, ela deveria ligar para o meu celular para decidir o voto dela. Mas começou a frequentar o plenário e passou a ser influenciada pelos outros vereadores. (…) Foi um compromisso. Eu a elegi. Ela tinha que seguir minhas ideias. Acho que sempre fui muito paciente e ela não soube respeitar o poder e liberdade que lhe dei”.
Note o “que lhe dei”.
Outra frase de efeito: “O grande erro foi ter torturado e não matado” – esta dita após seminário no Clube Militar, no Rio de Janeiro, em 2008, contra manifestantes do Grupo Tortura Nunca Mais e da União Nacional dos Estudantes. Segundo ele, essa teria sido a melhor solução para evitar que, hoje, pessoas perseguidas pela ditadura pedissem indenização ou reclamassem a justa e correta abertura dos arquivos que contam o que aconteceu na época.
(Menos “humano” que o seu colega de partido Paulo Maluf, que outrora sugeriu aos criminosos “estupre, mas não não mate”.)
Em um quadro de perguntas e respostas do programa CQC, veiculado há dois anos, compartilhou impressões sobre o mundo. Um filho que fuma maconha merece levar “porrada”. Ser um pai presente e dar boa educação garante que a prole não seja gay. E caso seus filhos se apaixonassem por uma negra, respondeu que eles eram educados e que não viveram em ambiente de promiscuidade, como a cantora Preta Gil, autora da pergunta. No dia seguinte, sua página trouxe uma justificativa: de que a pergunta foi “percebida, equivocadamente, como questionamento a eventual namoro de meu filho com um gay”. Ah, então tá.
É claro que Bolsonaro e alguns militares da reserva (com a ajuda de alguns “estrelados” da ativa) querem que a verdade e a Justiça permaneçam enterradas em cova desconhecida junto com assassinados pela ditadura. E, pelo que parece, que sejam enviados para as mesmas covas, os direitos conquistados a duras penas depois que a ditadura, que ele defende, caiu.
E tendo em vista os posicionamentos conservadores, machistas, homofóbicos, preconceituosos de grande parte da população brasileira e que são defendidos com unhas e dentes pelo nobre deputado e seu grupo, talvez você esteja do lado dele. E nem perceba.
Em tempo: aos leitores que se enquadram como cães de guarda do ranço da ditadura e que vão vir com pérolas como “se punir torturadores, tem que punir os terroristas”, recados: a) cresçam; b) livros de história são baratos; c) podem se esgoelar à vontade, não dou a mínima.
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