Quem fala em "chavismo" no Brasil é desinformado ou mentiroso
Qualquer um que afirmar existir “chavismo” ou “bolivarianismo” no Brasil está faltando com a verdade. Conheça onze pontos que indicam que o chavismo é uma realidade distante no Brasil
Cynara Menezes, em seu blog
Estamos vivendo, desde o chamado mensalão, um preocupante processo de judicialização da política no Brasil, que cria uma situação paradoxal: enquanto a oposição manobra para tentar mudar no tapetão o que não consegue nas urnas, começam a se levantar vozes aludindo a um suposto “chavismo” imposto pelo PT ao mesmo Judiciário que condenou membros do partido. Foi essa expressão –”chavismo” ou “bolivarianismo”– a utilizada pelo ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), ao demonstrar falta de esportiva, para dizer o mínimo, quando sua tese foi derrotada no mês de setembro pela maioria da Corte, que optou pela aceitação dos embargos infringentes e pela defesa do Estado de Direito.
Leia também
-
Tragam Haddad de volta à conversa sobre a crise das esquerdas
-
Negacionismo eleitoral
-
Brasil condena bloqueio a Cuba e pede suspensão por parte dos EUA
-
José Dirceu tem condenações da Lava Jato anuladas e recupera seus direitos políticos
-
Alexandre Garcia pede recontagem de votos em Fortaleza, onde PT derrotou o bolsonarismo
Não por coincidência, foi Gilmar Mendes quem entraria novamente em campo no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na semana passada para interceder em favor do registro da Rede Sustentabilidade, o partido sonhado por Marina Silva. Suplente de José Antonio Tóffoli no tribunal, Mendes compareceu à sessão para, em seu conhecido estilo tonitruante, bradar contra a “arcaica” Justiça brasileira que prejudicou Marina. Ora, por seis votos a um (o dele, Gilmar) a argumentação da Rede de que os cartórios eleitorais trabalharam mal foi rejeitada de forma veemente pelos ministros, até mesmo por Marco Aurélio Mello– que, diga-se de passagem, também votara contra a aceitação dos embargos infringentes no STF.
A Rede teve seu registro negado simplesmente porque não conseguiu reunir o número de assinaturas exigido por uma lei de 1995, oito anos antes de o PT chegar ao poder. É preciso que se diga que o grupo pró-Rede atuou de forma amadora na coleta das assinaturas. Enquanto o Pros e o Solidariedade começaram a recolher firmas um ano antes e recorreram ao auxílio de especialistas, a Rede só começou este ano e sem ajuda alguma. Louvável, mas ineficiente. Os ministros do TSE, portanto, nada fizeram além de exigir o que cobra a lei a quem quer que seja. E a Rede ficou de fora–lamentavelmente, porque em minha opinião faria bem ao PT ser confrontado com uma proposta diferente. Dura lex sed lex: a lei é dura, mas tem que ser cumprida.
Até por isso, me causou estupor a declaração atribuída a Marina Silva pelos jornais, em que adere ao conceito de Gilmar Mendes de que a causa de sua derrota no TSE foi o “chavismo” imposto ao País pelo PT. Começa mal a ex-senadora na corrida rumo à presidência se não reconhece a voz de seis ministros do Tribunal Superior Eleitoral, apelando ao recurso de acusar os membros daquela Corte de serem influenciados pelo governo. O que queria Marina? Que os demais ministros passassem por cima da lei para beneficiá-la, como fez Gilmar Mendes? Que belo exemplo de “nova forma” de fazer política…
E digo mais: qualquer um que afirmar existir “chavismo” ou “bolivarianismo” no Brasil está faltando com a verdade. É uma mentira deslavada que haja indícios de “venezuelização” do governo, para usar um termo caro aos jornais antes da vitória de Lula em 2002. E digo isso com dor no coração, porque gostaria que houvesse. Vou dizer por quê.
Se tivesse havido “chavismo” no Brasil:
1. O governo teria investido na conscientização da juventude, que seria menos permeável à influência dos meios de comunicação e saberia muito bem as razões para ir às ruas protestar quando necessário;
2. Teríamos concluído inteiramente o processo de reforma agrária, com o alijamento dos latifundiários do poder decisório em nosso País;
3. Os médicos cubanos e de outros países já estariam há muito mais tempo atuando em lugares onde os médicos brasileiros se recusam a ir trabalhar e a saúde do nosso povo estaria bem melhor;
4. A educação pública e gratuita teria máxima prioridade em detrimento do ensino privado, e consequentemente o analfabetismo teria sido eliminado: países “bolivarianos” assumidos, a Venezuela é, pelos critérios da Unesco, “território livre do analfabetismo” desde 2005, a Bolívia desde 2008 e o Equador desde 2009;
5. Teríamos um salário mínimo com muito maior poder de compra (o da Venezuela, atualmente em 1024 reais, é o mais alto da América Latina);
6. Algumas empresas privatizadas durante o governo Fernando Henrique Cardoso, de forma irresponsável, teriam sido reestatizadas;
7. O Estado seria laico, sem qualquer influência de líderes religiosos na política e nos governos;
8. O Imposto sobre as grandes fortunas já seria realidade;
9. A Lei de Meios, capaz de democratizar os meios de comunicação, hoje concentrados em mãos de poucas famílias, teria sido aprovada;
10. Nem se discutiria no País modificar a demarcação de terras indígenas; pelo contrário, os índios não estariam disputando seu espaço com latifundiários porque já teriam suas reservas garantidas;
11. O PT estaria governando com o PSOL, não com o PMDB.
Será que é isso, no fundo, que temem a mídia, Gilmar Mendes, o PSDB e Marina Silva? Não custa lembrar que o ministro Gilmar é campeão no Supremo em conceder liminares contra os índios, que a mídia não quer nem ouvir falar em democratizar a publicidade oficial e muito menos os meios de comunicação, e que Marina, fiel da Assembléia de Deus, andou defendendo os pastores fundamentalistas. Sobre o apreço do PSDB pela elite e pela manutenção do status quo nem se fala.
Quem é, então, que tem medo do “chavismo”? Eu não, ele me representa. Que venha o “chavismo”.