Nova classe média?
Debate sobre o surgimento de uma "nova classe média" está em voga no Brasil. Passamos de um estágio geral de pobreza para um nivelamento mediano da população?
Nova classe média?
Repito no título a mesma indagação do livro publicado em 2012 pela Boitempo Editorial, de autoria do professor de economia da UNICAMP e ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Márcio Pochmann.
O debate sobre a “nova classe média” ainda está bastante em voga e se apresenta como uma das principais bandeiras de propaganda do governo petista em seus dez anos de poder. Mas será que realmente existe uma nova classe média no Brasil? Passamos de um estágio geral de pobreza para um nivelamento mediano de nossa população?
Critérios de classificação das classes sociais no Brasil
O principal teórico da economia a defender esta tese, no país, é o atual presidente do IPEA, Marcelo Neri – que assumiu a presidência do Instituto com a saída do Pochmann para disputar a prefeitura de Campinas pelo Partido dos Trabalhadores, em 2012 – em seu livro “A Nova Classe Média: O Lado Brilhante da Pirâmide”.
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Para Neri a década de 2000 pode ser chamada de “a década inclusiva” porque pela primeira vez o que seria a classe média, a chamada Classe C, virou a maior parte da população brasileira. Em 2003, 54,8% da população estava nas classes D e E, classificada como “Classe Baixa”, enquanto que 37,8% era pertencente à Classe C. Ao longo desta década isto se inverteu, e em 2009 a considerada classe média já era maioria, 50,4% da população, enquanto que a baixa passou a ser 38,9% do total.
Este fenômeno teria acontecido, para o economista, porque neste período a renda dos mais pobres cresceu quatro vezes e meia mais rápida do que os mais ricos, fazendo com que, apesar de todos terem um incremento na renda, os mais pobres terem isto mais rapidamente.
No entanto, o questionável na tese do Neri vem a ser a classificação destas classes, que é a mesma utilizada pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), órgão ligado a Presidência da República e o qual ele é ministro-chefe interina. Para o governo, e para Neri, pertence à classe média quem possui renda per capita entre R$291 e R$1.019. Quem recebe acima disto já é classificado como classe alta! Compreendida entre os 50% mais pobres e os 10% mais ricos, a “Faixa C” aufere a renda média da sociedade, ou seja, é uma classe média no sentido estatístico da palavra.
Vejamos exemplos do que poderíamos considerar, então, pertencentes às diferentes classes sociais no Brasil. Um professor de educação básica que receba o piso nacional, que hoje é de R$1.567,00, e more sozinho já pertence a classe alta brasileira (isto sim é a elite econômica!). Já um trabalhador terceirizado, que reconhecidamente é um dos tipos de vinculação trabalhista que mais sofrem no mercado de trabalho, o qual esteja na média salarial da categoria, que é de R$998,00, e more sozinho já está quase no teto do que poderíamos classificar como classe média, segundo a SAE, e se ganhar mais vinte e dois reais já passará para a classe alta.
Se pensarmos nestes critérios, realmente não é de se assustar que o Brasil seja, hoje, um país de classe média, só não sabemos se isto pode ser uma classificação aceitável.
Uma nova classe trabalhadora
A análise do ex-presidente do IPEA parece muito mais razoável. Para Pochmann, o que caracteriza esta década é o crescimento dos empregos que pagam até um salário mínimo e meio, que hoje equivale a 47,8% do total dos empregados no país, em detrimento dos empregos que paguem melhor.
Sem negar que houve queda do Índice de Gini (que calcula o grau de concentração de renda em uma sociedade – quanto mais próxima de um, maior a concentração da renda, quanto mais próximo de zero menos centralizada o é) e aumento da renda média, o economista da UNICAMP vê no crescimento do setor de serviços uma das principais causas deste crescimento da renda, mas, no entanto, junto a isto estão todas as mazelas ligadas a este setor.
Três características seriam importantes para explicar este nível salarial: alta rotatividade, emprego temporário e terceirização. A rotatividade faz com que trabalhadores com salários maiores sejam demitidos para que sejam contratados novos empregados com salários mais baixos. Já os empregos temporários, que também possuem baixos salários, já equivaliam a 10,4% do total dos empregos de carteira assinada. E, por fim, a terceirização, que cresceu em uma média anual de 13,1% de 1996 a 2010, o qual, segundo o Ministério Público do Trabalho já equivale a um quarto do total de empregos, termina de jogar os salários para baixo.
O autor finaliza seu livro dizendo que “[…] a força dos novos segmentos da classe trabalhadora na base da pirâmide social nos impede de a identificarmos como uma nova classe social, muito menos como classe média no país.” (POCHMANN, 2010, p. 123).
Então fica esta pergunta no ar, será que os critérios utilizados pelo governo e que justificam este discurso podem ser considerados válidos para alegarmos que agora o Brasil é um país de classe média? Para grande parte dos economistas e dos sociólogos a resposta é negativa. Fica a cargo de cada leitor, agora, refletir e chegar a sua própria conclusão.
*Eric Gil é economista do Instituto Latino-americano de Estudos Socioeconômicos (ILAESE) formado pela Universidade Federal da Paraíba, mestrando no Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná; escreve quinzenalmente para Pragmatismo Político