"Estamos lutando por algo que ainda não sabemos o que é, mas que pode ser o início de algo muito grande que pode acontecer mais para frente", diz uma integrante Black Bloc
A estudante de 23 anos escolheu o nome fictício de Iuan para conversar com a reportagem da BBC Brasil pelo telefone. Após o primeiro contato pela página Black Bloc RJ no Facebook, a ativista ligou na hora marcada para a redação para dar a entrevista. Não queria divulgar seu número de telefone.
A jovem também se recusou a dar mais detalhes de sua vida e de sua participação no movimento. Só aceitou conversar com a garantia de total anonimato.
A estudante iniciou a entrevista ressaltando que não fala pelo movimento, reafirmando o caráter descentralizado e “sem lideranças” do Black Bloc.
Iuan se define como revolucionária, porém diz ser realista porque avalia que o Brasil ainda não oferece o cenário político e social favorável para uma revolução.
“Eu não diria que a revolução é uma realidade agora. Sabemos que revoluções de pensamento levaram dois séculos para acontecer. Mas posso dizer que isso pode ser o início de uma coisa muito grande daqui para frente”, diz.
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A estudante conta ter um “histórico de manifestações”. Em junho, quando o país foi sacudido por uma onda de protestos, ela foi às ruas com o rosto pintado de verde-amarelo. “Aí, um dia, olhei para mim, me vi com verde e amarelo no rosto e pensei: por que eu estou assim, já que eu não tenho orgulho disso? Aí eu pensei: preto combina muito mais”, conta a jovem.
Proteção
Para Iuan, as cores da bandeira nacional, que já haviam sido usadas como propaganda da “ditadura” não estavam à altura de seu nível de indignação.
“Eu não conhecia o movimento Black Bloc antes. Aí você começa a ir para a rua, começa a conhecer melhor e perceber que aquilo (o movimento) te representa muito mais.”
“Principalmente uma pessoa como eu que já tem algum tipo de luta social e não conseguia se enquadrar em lugar nenhum. Eu vi isso (representatividade) no Black Bloc”, acrescenta.
Ela identifica os black blocs com “uma tática de manifestação cujo objetivo é proteger os manifestantes da repressão policial”, mas admite que, muitas vezes, os ativistas acabam sozinhos “porque as pessoas ficam com medo, saem”.
Questionada sobre se não é contraditório falar em proteger o manifestante quando algumas práticas do grupo acabam gerando reação ainda mais agressiva da polícia, ela menciona a retirada violenta de professores que haviam ocupado o plenário da Câmara Municipal do Rio de Janeiro há duas semanas.
“Eles foram expulsos com muita truculência pela polícia, e a atuação dos Black Blocs no dia seguinte deu mais visibilidade ao movimento dos professores”, respondeu, sem entrar em detalhes sobre como, de fato, ocorre a proteção dos manifestantes.
“Tinha gente saindo do trabalho, e todo mundo estava sendo duramente reprimido, com bombas de gás. E as pessoas estavam resistindo. Isso foi importante”, diz, argumentando que a “resistência” só foi possível porque as pessoas se sentiram protegidas pelos Black Blocs que estavam na rua naquele dia “para desafiar a polícia”.
Violência
Além de capuzes pretos e panos cobrindo os rostos, as imagens de quebradeira em agências bancárias e pontos de ônibus tornaram-se outra marca dos Black Blocs.
“Quebrar os bancos é uma revolta contra o sistema bancário”, justifica. “Quanto a quebrar orelhão e lixeiras, isso é parte da tática, para evitar o avanço da polícia, é para fazer uma barricada mesmo”, diz a manifestante.
Iuan enumera vários motivos que a levaram optar pela tática Black Bloc, entre os quais uma reflexão sobre a má qualidade dos serviços públicos de transporte e saúde e a concentração de renda no país.
Não seria então contraditório defender serviços públicos de qualidade enquanto orelhões e lixeiras são quebrados, onerando o Estado, que terá de pagar para repô-los?
Ao responder a pergunta, Iuan cita “os juros abusivos pagos pela União” na rolagem da dívida pública do país. “Uma lixeira ou orelhão não é nada frente a tudo o que a gente paga, os grandes tributos, a falta de serviços públicos”, afirma. “Isso destrói sonhos.”
Os Black Blocs dividem opiniões na sociedade, sendo classificados como anarquistas por alguns e como vândalos e baderneiros por parte da opinião pública e por autoridades. Muitos criticam suas ações, enquanto outros defendem o movimento.
Após o desfecho violento da manifestação dos professores há uma semana, que acabou com bancos e prédios públicos depredados no Rio e em São Paulo, alguns dos trabalhadores em greve chegaram a agradecer os Black Blocs pela presença no protesto.
Apesar de querer atrair a simpatia da opinião pública para a estratégia de protesto, a ativista Black Bloc diz que as pessoas “não precisam quebrar nada”. “Espero que entendam que estamos fazendo isso por todo mundo”, diz a jovem. “É uma luta pela humanidade.”
Representação política
Iuan conta que votou em todas as eleições, mas que ainda não sabe se vai escolher algum representante no próximo ano, em “uma urna eletrônica em que não confia”, como faz questão de ressaltar.
A estudante critica o mau preparo dos candidatos e as ações do governo. Ela fala da necessidade de distribuir melhor a renda, mas diz que não é de todo contra a existência do Estado.
Questionada se não estaria sendo mais reformista do que anarquista, ao reconhecer algum valor no Estado, a jovem contornou a pergunta e respondeu que tem de ser realista.
Mas Iuan diz que descarta a possibilidade de se candidatar a um cargo político no futuro porque não concorda com o atual sistema de arranjo do Estado e, como outros Black Blocs, não quer representação política.
BBC Brasil