"Após experiências, leituras e conversas, entendi que qualquer mulher que fuja do padrão do mito da beleza e da heteronormatividade passará pelo mesmo que eu. Em maior ou menor grau, dependendo das circunstâncias"
Nádia Lapa, em Feminismo pra quê?
Gorda feia do caralho! HUAHEHAUHEAUHEA
Tem q ter coragem e estar bebado e drogado pra transar com essa chupeta de baleia HAUEHUAHE Tá loko..
feia, gorda e puta. doido é quem come isso!
Puta pelo menos cobra e ganha. É mais digno. Essa gorda faz de graça.
caralho como tem filho da puta que tem coragem de transar com esse pudim de banha?
Tem que ser muito doido para te encarar, porque tu é muito feia! hahahahahahahaha
Eu poderia colocar infinitos comentários parecidos com esses. Todos direcionados a mim. Nos últimos dois anos, fiz uma coleção deles – estes aí de cima são apenas os que surgiram na minha página do Facebook após a minha participação no programa A Liga, da Band, há alguns dias.
Para quem não me conhece, sou, sim, gorda. E “puta”, no sentido corrente que se dá à coisa. Corrente e injurioso, diga-se. Tudo isso surgiu na minha vida depois que escrevi um blog no qual contava sobre minhas experiências sexuais. No início ele era anônimo, em seguida algumas pessoas descobriram minha identidade, depois me identifiquei abertamente, com nome, sobrenome, fotos, biografia, tudo.
Desde o início, a questão da minha aparência física era uma dúvida entre os leitores. Para ter uma vida sexual plena, feliz e variada, eu TINHA que ser gata. Tinha que. Não existia a possibilidade de eu ser gorda, porque afinal de contas gordas são seres nojentos, indesejáveis, ~pudins de banha~.
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A história toda começou no primeiro semestre de 2011, e desde então li toda sorte de absurdos a meu respeito (a ponto de eu fazer um tumblr, o Cem Homens Sem Noção). Durante vários meses, os xingamentos me fizeram muito mal. Fiquei péssima, quis largar tudo, desaparecer da face da Terra. Quando passei a falar de feminismo, as ofensas mudaram. Recebi todo o pacote de xingamentos comum a qualquer uma de nós: “odiadora de homens”, “falta uma rola para resolver sua vida”, “sua feia-peluda-gorda”.
Naquele momento, porém, a fase mais difícil já havia passado. Justamente porque o feminismo havia me empoderado. Mais do que nunca, conversando com outras militantes, lendo muito, estudando mais ainda, eu entendi que qualquer mulher que fuja do padrão do mito da beleza e da heteronormatividade passará pelo mesmo que eu. Em maior ou menor grau, dependendo das circunstâncias. Eu estava em capa de revista, lancei um livro, participei de entrevistas na televisão. Eu era o alvo fácil, mas tais agressões acontecem o tempo todo, em todos os lugares, contra todas as mulheres que não se encaixam naquele quadradinho mínimo que nos reservaram (seja bem magra para caber nesse quadradinho, lembre-se).
O bullying e as perseguições online também acontecem contra homens; não estou menosprezando a experiência deles. Mas mesmo neste caso, é contra homens e garotos que não se conformam com os papéis de gênero que lhes foram impostos, como os gays.
A minha grande pergunta a respeito disso é: pra quê? O que se consegue tentando acabar com a autoestima de uma pessoa, levando-a a consequências extremamente danosas? Eu, por exemplo, tive uma crise depressiva no final daquele ano em que fui soterrada em tanto ódio.
O que estamos fazendo quando nos unimos a outras pessoas tão más quanto nós, e atacamos em conjunto uma pessoa que sequer conhecemos? O que estamos fazendo quando compartilhamos quadrinhos, fotos e histórias que atacam a honra de alguém?
Eu aprendi a lidar com tudo isso. Não vou dizer que os xingamentos não me atingem. Às vezes dói. Na maioria delas, pra ser honesta, eu começo a rir e depois sinto pena, muita pena. No entanto, eu demorei a chegar a esse ponto de simplesmente deixar pra lá. Antes, atingi o fundo do poço. Ao contrário do que dizem por aí, no fundo do poço não tem mola, não, e sair de lá foi o maior desafio da minha vida. Quem me empurrou lá pra dentro não fez isso só comigo; faz sempre, com qualquer pessoa, com qualquer gorda, com qualquer puta, com qualquer lésbica ou gay, com qualquer transexual, com qualquer pobre, com qualquer negro.
Não existe gente com caráter mais ou menos. Ou se tem, ou não se tem, é bem simples. Está na hora de pararmos de dar aquele sorriso amarelo com piadas lesbo ou homofóbicas, e nos posicionarmos diante de gente que agride. Eles não são tão fortes assim, eu garanto.