Escritor Luis Fernando Veríssimo chega ao céu e pergunta se lá há lugar para ateu
A Recepção
Por Luis Fernando Veríssimo
A recepcionista que me recebe na porta do céu é simpática. Digita meu nome no computador, sorrindo. Mas o sorriso desaparece de repente. É substituído por uma expressão de desapontamento.
Ai, ai, ai… – diz a recepcionista. – Aqui onde diz “Religião”. Está: “Nenhuma”
– Pois é…
– O senhor não tem nenhuma religião? Pode ser qualquer uma. Nós encaminhamos para o céu correspondente. Ou, se o senhor preferir reencarnação…
– Não, não. Não tem céu só pra ateu?
Não existe um céu só para ateus. Nem para agnósticos. Também não são permitidas conversões “post-mortem” ou adesões de última hora. E me deixar entrar numa eternidade em que nunca acreditei, talvez tirando o lugar de um crente, não seria justo, eu não concordo?
Leia também
Marido de psicóloga presa por racismo sai em defesa da mulher: "Perseguição por ser bonita"
Tata Werneck chora ao lembrar que foi vítima de violência sexual: "Eu pensava: 'só preciso sobreviver'"
Os desastres que mobilizam até negacionistas
Influencer de direita tumultua aulas e desrespeita professores na UnB
Desembargador do TJRJ pede demolição de casa do vizinho em Búzios por "privacidade"
Como um doutorando descobriu 'por acaso' cidade maia milenar em floresta do México
Youtuber de cobras morre após ser picado por mamba verde; ele deixa 3 filhos e esposa
Pastor evangélico preso por estuprar crianças e adolescentes é encontrado morto na cadeia
– Espere! – digo, dando um tapa na testa. – Me lembrei agora. Eu sou Univitalista.
– O que?
– Univitalista. É uma religião nova. Talvez por isso não esteja no computador.
– Em que vocês acreditam?
– Numa porção de coisas que eu não me lembro agora, mas a vida eterna é certamente uma delas. Isso eu garanto. Pelo menos foi o que me disseram quando me inscrevi.
A recepcionista não parece muito convencida mas pega um livreto que mantem ao lado do computador e vai direto na letra U. Não encontra nenhuma religião com aquele nome.
– Ela é novíssima – explico. – Ainda estava em teste.
A recepcionista sacode a cabeça mas diz que irá consultar o supervisor. Eu devo voltar ao meu lugar e esperar a decisão. Sento ao lado de outro descrente, que pergunta
– Você acredita nisto?
Eu… – começo a dizer, mas o outro não me deixa falar. – É tudo encenação. Tudo truque. Quem eles pensam que estão enganando?
E o outro se levanta e começa a chutar as nuvens que cobrem o chão da sala de espera.
– Olha aí. Isto é gelo seco! Você acha mesmo que existe vida depois da morte? Você acha mesmo que nós estamos aqui? É tudo propaganda religiosa! É tudo…
Salto sobre o homem, cubro sua cabeça com a camisola, atiro-o no chão e sento em cima dele. Para ele não estragar tudo. Claro que também acredito que aquilo é uma encenação. Mas seja o que for, durará uma eternidade.