Maconha no Colorado: um exemplo a ser considerado. Empresas autorizadas pelo governo produzem até 4 toneladas de maconha por mês e legalização cria novos negócios com potencial bilionário
Pedro Abramovay, CartaCapital
Não é todo dia que a gente se sente no futuro. Nem é todo dia que fica tão claro que o futuro pode ser tão melhor do que o presente. Foi na periferia de Denver, no estado do Colorado, nos EUA. Uma fábrica de 300 funcionários envolvida em processo de produção absolutamente lícita que, no Brasil existe, mas não gera empregos, gera cadáveres.
O Colorado decidiu em 2012, por plebiscito, legalizar a produção e venda de maconha para fins recreativos. A maconha já tinha mais de 100.000 usuários medicinais no Estado. Mas a população do Colorado resolveu dar um passo além e aceitar o desafio do pioneirismo de questionar que a única forma possível de abordar o problema das drogas é por meio de prisões, armas, guerra.
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Alias, é curioso perceber como essa trajetória –da maconha medicinal para a regulamentação do uso recreativo – parece ser uma tendência nos EUA. Há pelo menos mais uma dezena de Estados que já aceitam o uso da maconha medicinal e que, segundo as pesquisas, devem, nos próximos 3 anos, aprovar o uso recreativo.
Para mim a explicação para esse fenômeno parece óbvia. Como a maconha pode ter diversos tipos de uso medicinais, o número de pacientes pode ser muito alto. No caso da Califórnia fala-se em mais de um milhao de pacientes . No caso do Colorado, a média de idade dos usuários de maconha medicinal era de 41 anos. Assim, o fenômeno da maconha medicinal faz com que a imagem do usuário deixe de ser associada preconceituosamente ao jovem problemático. Ao se ver o uso por senhoras de idade ou por executivos de sucesso, os preconceitos vão se dissolvendo e o debate pode se dar em torno dos riscos e benefícios reais e não daqueles inventados pela ideologia da Guerra às drogas.
A retirada dos preconceitos, portanto, parece ter gerado um debate na sociedade norte-americana que mudou completamente a visão que a opinião pública tinha sobre o tema. O Instituto Gallup aponta que, se em 1997, 73% dos Americanos eram contra a legalização da maconha, em 2013, após a maioria da população do pais viver estados onde a maconha medicinal é regulamentada, 58% dos americanos apoiam a legalização e apenas 39% são contrários.
Revólveres e sangue
Este processo tornou possível o que eu vi aqui em Denver. Era parte de um evento que reuniu funcionários do estado do Colorado e do Uruguai – que está prestes a regulamentar o uso recreativo- para a troca de experiências e ideias sobre a implementação do modelo.
As apresentações dos funcionários do governo do estado do Colorado, mostrando uma tecnologia avançada para calcular o número de plantas, controlar a produção e cobrar impostos foi impressionante. Mas, para mim, o mais curioso era entrar por aqueles corredores, escaninhos, máquina de Xerox e ver a placa do setor daquela repartição: “Medical Marijuana Enforcement Division”. Isso mesmo. A telefonista atendia o telefone assim: “Marijuana Enforcement Division, good morning”. A maconha não era um problema de polícia. Era uma questão de política pública.
Isso ficou ainda mais claro na apresentação da responsável pela área de prevenção. A funcionária nos explicou que eles tinham dados de que as campanhas feitas na base do medo não funcionam com jovens (aqui nos EUA tinha uma famosa na qual mostravam um ovo fritando e dizia: “este é o seu cérebro quando você usa drogas”). Mas aquelas que mostram dados reais, que valorizam e informam a escolha do jovem sobre o tema, têm um efeito muito maior. Ela nos disse que, com o fim da proibição – mesmo que a proibição se mantenha para menores de idade– eles vão poder fazer campanhas de prevenção mais eficientes e tem a expectativa de que caia o consumo entre adolescentes.
Se isso tudo já apontava que um caminho mais inteligente para lidar com esse tema parece ser possível. O grande choque veio com a visita que fizemos à Live Well. Uma enorme fábrica de produção de maconha.
Um galpão de 11.000 m2. Com 80.000 plantas adultas e uma produção de 1 tonelada por mês –um quarto da produção autorizada no estado. 300 funcionários trabalhando. Em janeiro serão 430. Por mais que eu já tenha lido e estudado muito sobre o assunto, é muito diferente quando você vê aquilo materializado na sua frente.
A primeira coisa que me veio à cabeça foi a ideia de que, no Brasil, este mesmo processo produtivo utiliza as mesmas centenas de pessoas (talvez até mais) – algumas no Paraguai- mas elas não tem carteira assinada. Têm revólveres. Têm uma expectativa de vida de menos de 25 anos. Alimentam uma história de violência que mancha de sangue a história recente do Brasil.
Fiquei me imaginando um jovem vindo do Brasil escravagista. Chegando a um pais que tinha a capacidade de se desenvolver economicamente sem a escravidão e pensando: “nossa, é possível um mundo sem escravidão”. Tenho poucas dúvidas de que no future se olhará para a guerra às drogas como hoje olha para a escravidão. Com uma vergonha dos antepassados. “Como foi possível terem aceitado isso?”
A regulamentação do uso recreativo apresenta desafios enormes. Evitar os erros que nossa sociedade comete com o álcool é o maior deles (nenhum dos modelo que estão sendo colocados em pratica aceita o consumo público ou a propaganda de maconha). Mas já sabemos que o modelo criminalizador que vigora atualmente não consegue reduzir o consumo, cuidar da saúde das pessoas e produz mortes em séries e cárceres superlotados.
Sou e serei sempre grato a esses pioneiros do Colorado, de Washington e, em breve do Uruguai, por abrirem o caminho para que possamos saber se há alternativas melhores para o nosso futuro. Aqui eu vi apenas a primeira página deste livro. E ela me pareceu ser muito melhor do que a tragédia na qual temos vivido no último meio século.