O Brasil é hoje o campeão de cesáreas no mundo. O modelo obstétrico atual criminaliza profissionais que transferem para a mãe o poder de parir
Bruna Bernacchio, Outras Palavras
No último sábado, centenas de mulheres, homens e crianças foram às ruas do país para falar de algo que, como tantas outras lutas sociais, permaneceu silenciado e criminalizado pelo Estado: a humanização do parto. Barrigas pintadas, sorrisos desmaquiados e peitos amamentando revelavam mulheres-mães que não tinham medo de mostrar uma íntima escolha, o ato e o poder de dar a luz.
As manifestações ocorreram no Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Curitiba, Brasília, Campinas (SP), Santo André (SP) Juiz de Fora (MG), e em mais 26 cidades. Além de estampar nas barrigas e nos rostos as qualidades do parto humanizado natural (veja infográficos abaixo), as ativistas também queriam denunciar a perseguição que profissionais do parto humanizado — como doulas, obstetrizes e enfermeiras obstetras estão sofrendo em maternidades do país.
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“O nosso ato é para apoiar todos os profissionais que lutam para que a mulher seja protagonista do seu trabalho de parto e, isso faz com que as cesáreas feitas por conveniências médicas não aconteçam”, destacou a funcionária pública Paula Inara, de 38 anos, uma das coordenadoras do Movimento pela Humanização do Parto.
Isso não significa, porém, ser contra a realização de cesarianas. As ativistas reivindicam que a escolha seja, acima de tudo, da mulher; e que se limitem estas intervenções aos casos em que há risco real para mãe ou para o bebê – e não sejam adotadas de forma indiscriminada, como se faz no país.
O Brasil é hoje o campeão de cesáreas no mundo. A taxa chega a 90% no setor privado e quase 50% no setor público. A recomendação da Organização Mundial da Saúde é um índice de até 15%. Reportagem da APública deste ano sintetizou uma série de denúncias e números de casos de violência nos partos medicalizados. Uma pesquisa destaca: uma em cada quatro mulheres sofre violência no parto.
O coletivo Marcha Pela Humanização é formado por mulheres, famílias, organizações e profissionais da área que se unem desde o ano passado em movimento único. O objetivo, escrevem em página do Facebook, é “levar informação de qualidade às mulheres; criar demanda por uma assistência ao nascimento digna e baseada em evidências científicas; pressionar autoridades a tomarem medidas para cumprir leis que só estão no papel; e criar outras diretrizes que favoreçam mulheres e profissionais que acreditam na humanização do cuidado a gestantes e recém-nascidos”.
O assunto suscita polêmica. O filme Renascimento do Parto, em cartaz há mais de dez semanas em diversas cidades do país, retrata a realidade obstétrica mundial contrapondo diversos depoimentos. A obra promove também uma reflexão sobre o futuro de uma civilização nascida sem os chamados “hormônios do amor” — liberados apenas em condições de trabalho de parto humanizado.
Há pouco, o movimento alcançou vitória pequena mas importante. O Projeto de Lei do Senado (PLS) 8/2013, de autoria do senador Gim (PTB-DF), foi aprovado no final do mês de setembro. Está desde dia 10 de outubro tramitando na Câmara. O projeto altera a Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/1990) para incluir a obrigatoriedade de obediência às diretrizes e orientações técnicas e a criação de condições que possibilitem a realização do parto humanizado nos estabelecimentos de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS).
Sobre humanização do parto: