Garoto tinha 24 anos e foi brutalmente agredido durante seis horas. O crime bárbaro, que terminou causando sua morte, foi motivado pelo fato de que o jovem era gay
O túmulo de um jovem homossexual morto depois de ser atacado por quatro homens em 2012 se transformou em um santuário no Chile.
A gaveta temporária que abriga o corpo de Daniel Zamudio no Cemitério Geral de Santiago está coberto de frases como “Dani lindo, anjinho bonito, cuide de nós”, ou “Daniel, onde estiver, rogue por nós. Respeito para você”, “Cuide de nós e nos liberte, nos ajude a seguir em frente”.
O jovem morreu em 2012 aos 24 anos, depois de ser atacado por quatro homens em um parque no centro da capital chilena. De acordo com o veredito dado em outubro, os agressores agiram com “crueldade extrema e total desprezo pela vida humana”.
A comoção causada pelo crime levou à aprovação de uma lei contra a discriminação que leva o nome de Zamudio. No entanto, esta lei não tem aplicação retroativa.
Por isso, os agressores responsáveis pela morte de Zamudio não enfrentaram o agravante de discriminação pela condição sexual. Porém, foram todos condenados pelo crime. Um deles foi sentenciado à prisão perpétua e os outros três a penas que variam entre sete e 15 anos.
‘Animita’
Entre outros golpes, os agressores acertaram Zamudio com os chutes, socos, cortes e queimaduras, desenharam suásticas no abdome da vítima com cacos de vidro e, com uma pedra de oito quilos, fraturaram a perna direita de Zamudio.
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O jovem foi encontrado por um guarda na manhã do dia 3 de março de 2012. O guarda declarou que “nunca havia visto uma agressão tão brutal”.
Ele permaneceu em coma em um hospital público durante quase um mês.
Quando a morte de Zamudio foi anunciada, uma multidão acendeu velas na porta do hospital e cerca de duas mil pessoas acompanharam o enterro.
Mais de um ano depois da morte, os funcionários do cemitério sabem onde fica seu túmulo e dão informações aos visitantes que querem deixar suas homenagens ao jovem. Entre os frequentadores estão estudantes, casais, homens e mulheres.
“Rezam, falam com ele, se benzem, pedem coisas”, contam os funcionários, que já conhecem bem o fenômeno chamado no Chile de “animitas”, a criação de lugares de peregrinação, geralmente ligados a mortes violentas ou injustas.
“Daniel Zamudio tem todos os elementos para se transformar em uma animita”, afirma Claudia Lira, pesquisadora de cultura popular e tradicional da Universidade Católica de Santiago.
“É uma morte cruel, inesperada, onde há muito derramamento de sangue, há uma tragédia. As pessoas sentem que esta morte é injusta, porque ele era uma pessoa discriminada, morreu indefeso, na rua”, acrescentou.
“Na cosmovisão chilena, mesmo que exista um processo judicial, ele se converte em um mártir, uma concepção que vem do catolicismo e que se junta com a idiossincrasia chilena; a pessoa pode estar mais próxima de Deus porque o sofrimento a transformou e, portanto, se pode pedir coisas a esta pessoa”, afirmou.
Cartas
Parte dos bilhetes deixados no túmulo de Daniel Zamudio são guardados pelo Movimento de Integração e Liberação Homossexual do Chile, o Movilh.
“Vamos quase todas as semanas ver Daniel e recolhemos muitas cartas que as pessoas escrevem por razões diferentes. Meninos, meninas que pedem ajuda, ou mensagens de carinho”, contou presidente do Movilh, Rolando Jiménez.
“A última vez que contei tínhamos entre 150, 200 (cartas)”, disse o ativista, que espera incorporar os textos de alguma forma ao túmulo e memorial à diversidade que o movimento está construindo no Cemitério Geral de Santiago e para onde pretende levar de forma definitiva os restos de Zamudio.
“Não temos vínculos com nenhuma religião ou crença. Somos ateus, entre outros motivos, pelo papel da Igreja Católica na difusão e promoção da homofobia no nível cultural”, afirmou.
“Mas se as pessoas sentem uma proximidade com Daniel a partir desta lógica, respeitamos. E no túmulo memorial haverá espaço para que as pessoas continuem deixando suas cartas e as coisas que que hoje levam, presentes, brinquedos, corações.”
O Movilh também planeja instalar algum memorial no parque onde Zamudio foi atacado.
Atualmente apenas uma cruz e flores marcam o local do ataque.
Paula Molina, BBC Mundo