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“Nosso único defeito é ser pobre”, diz mãe de Douglas Rodrigues

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“O único defeito da gente é ser pobre”, diz mãe de Douglas Rodrigues, estudante assassinado pela Polícia Militar. Testemunha afirma que PM fez 'cavalo de pau' e atirou

O jovem estudante Douglas Rodrigues, assassinado pela PM (Arquivo pessoal)

Amigos do adolescente Douglas Rodrigues, estudante de 17 anos que morreu após ser baleado por um policial militar na tarde de domingo (27) perto da rua onde morava, na Zona Norte da capital paulista, afirmaram ao G1 que presenciaram o PM Luciano Pinheiro, de 31 anos, fazer uma manobra com o carro, um “cavalo de pau”, antes de mirar contra o adolescente pela janela da viatura na frente do irmão, de 13 anos.

O policial militar, que está no Presídio Romão Gomes e foi autuado em flagrante por homicídio culposo (sem intenção), afirma que o disparo foi acidental. A família afirma que o adolescente estava conversando com amigos na rua. A morte motivou duas noites seguidas de protestos na região da Vila Medeiros, Jaçanã e Tremembé.

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“Eu estava com ele na hora. O policial veio dando cavalinho de pau na rua. Quando chegou na frente dele [Douglas], colocou o braço para fora do vidro do carro com a arma e atirou”, afirma um dos amigos. “Até o parceiro dele falou: que que cê fez? Aí ele [policial que atirou] pediu desculpa. Foi fazer cena, olha no que deu.”

Testemunhas do crime e os amigos do adolescente se reuniram nesta terça em frente à casa do pai de Douglas, onde a família concedia entrevistas, mas, com medo, preferiram não dar os nomes. O colega de trabalho de Douglas diz que ouviu suas últimas palavras, a caminho do hospital: “Não tô conseguindo”. Douglas foi atingido ao lado do irmão mais novo, de 13 anos, que preferiu não falar.

A mãe do adolescente, Rosana Martins de Souza, 44 anos, que trabalha com costura no bairro, criticou a ação da polícia. “O único defeito da gente era ser pobre”, afirmou ao G1. “Ele não tinha inimigos”, diz o amigo Leonardo, de 16 anos, que estudou com Douglas. “Fazia brincadeiras, ficava na dele. Era amigo de todos”, afirma.

A última notícia que a mãe recebeu do filho veio do irmão menor: “Ô mãe, o Douglas tomou um tiro”. “Ele chegou apavorado”, relata.

Abordagens

A morte não é a primeira do bairro, à beira da Rodovia Fernão Dias. O 73º DP do Jaçanã registrou 25 vítimas de homicídios dolosos apenas em 2013. Em meio às casas simples e comércios locais, os moradores afirmam que é rotina ser abordado por policiais sacando armas.

“Seu jeito de andar, seu cabelo, a roupa que você veste, tudo é motivo. Naquele momento com o Douglas ali, caído, todo mundo queria bater na polícia. Eles abordam o tempo todo. Ontem, na hora de ir para o enterro, os policiais passaram botando arma na nossa cara”, diz um dos amigos de Douglas.

Outro conta, mostrando o projétil que diz ter encontrado próximo à Rua Boca da Mata, que já foi parado por um policial, que apontou o revólver para sua cara. “Ele perguntou se eu tinha RG. Como eu estava sem, ele pediu meu nome completo. Eu dei. Daí ele me deixou ir. Mas vai que essa arma dispara”, diz. “Ontem era tanto tiro que deu muito medo. A gente passou mal dentro de casa por causa desse gás.”

Os moradores afirmam que, durante a noite de protestos, com ao menos três ônibus e sete caminhões incendiados na rodovia ou em ruas próximas, policiais “chegavam atirando sem dó”. “Foi muito tiro. Podia ter matado mais alguém. Estavam atirando para matar mesmo”, diz um dos adolescentes.

Outros veículos foram depredados, além de três agências bancárias. O comércio, que já tinha fechado as portas no meio da tarde, teve lojas saqueadas. A PM disse ter prendido 77 pessoas, das quais apenas um continuava detida até as 17h desta terça. A polícia diz também que precisou usar balas de borracha e gás lacrimogêneo para conter os protestos.

Na noite desta terça, mais um protesto acontecia na região do Parque Novo Mundo em razão da morte de outro adolescente de 17 anos. De acordo com a versão apresentada pelo policial, ele estava de folga e passava em seu veículo pela região quando se perdeu e foi abordado por um criminoso na avenida. O jovem estaria armado com um revólver calibre 32.

O policial afirma que reagiu ao roubo, deu voz de prisão, mas houve reação. O policial diz que, então, atirou no suspeito. Ele não soube informar à Polícia Civil quantos tiros disparou. Um grupo de 150 pessoas, de acordo com a PM, ocupava a Avenida Tenente Amaro Felicíssimo da Silveira por volta das 18h.

No Jardim Brasil, o comércio fechou mais cedo. Os comerciantes afirmaram que o medo de vandalismo e novos saques motivou a decisão de baixar as portas. A mãe de Douglas afirma não ter medo da polícia. “Estão dizendo que ele estava no baile funk. Acha que um menino desse vai ficar em baile funk? Ele saiu num domingo à tarde para buscar um miolo de chave. Muita gente agora vai me criticar: cadê a mãe? Mas eu ralo, o pai dele rala. E ele também era assim.”

Rosanne D’Agostino / Unisinos