"É como pôr um homem na Lua". Brasileiro Miguel Nicolelis lidera o projeto Walk Again, que pretende, com uma estrutura robótica, fazer paraplégico dar o chute inicial da Copa de 2014
O projeto Walk Again tem um deadline preciso, como poucos no mundo da ciência. Até as 17h do dia 12 de junho de 2014, o produto desenvolvido em dois continentes por mais de cem cientistas precisa estar funcionando diante de 70 mil pessoas e outros quase 3 bilhões telespectadores. A meta é desenvolver um exoesqueleto robótico que possibilitará a um paraplégico dar o pontapé inicial da Copa do Mundo do Brasil.
Em entrevista à DW Brasil, Miguel Nicolelis, diretor do projeto, diz que tudo dará certo. Dos Estados Unidos, ele coordenada equipes espalhadas na Europa e no Brasil que, simultaneamente, criam a estrutura robótica complexa – algo parecido com o Homem de Ferro, como ele próprio define.
Os protótipos chegam ao Brasil em novembro para serem testados em pacientes. Depois da Copa, os exoesqueletos do Walk Again vão continuar no país para projetos de reabilitação. ” A gente espera que ele evolua para um protótipo que possa chegar ao consumo para os milhões de cidadãos no Brasil e no mundo que têm deficiências físicas e que não podem se locomover com autonomia hoje em dia”, diz.
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O Projeto Walk Again tem um objetivo muito claro, que é fazer um paraplégico dar o chute inicial da Copa do Mundo no Brasil, com a ajuda de um exoesqueleto. Isso vai acontecer?
Miguel Nicolelis: Se depender de nós, sem dúvida alguma. Nós temos cientistas na Europa, nos EUA, e no Brail trabalhando 24 horas por dia, em três turnos, para conseguir realizar essa primeira demonstração que, para nós, é o primeiro passo desse projeto. O Walk Again, na verdade, vai continuar depois. A demonstração da Copa é extramamente emblemática, mas a gente planejou essa demonstração para chamar a atenção do mundo todo para o fato de que estamos chegando muito perto de poder ter terapias de reabilitação que possam fazer as pessoas recuperarem um grau de qualidade de vida que elas perderam devido a lesões medulares, acidentes de automóveis ou doenças neurodegerativas. Então, a princípio, estamos dentro do cronograma. Cada dia a gente descobre um novo obstáculo.
Isso acontece por se tratar de um projeto revolucionário?
Sim, isso nunca foi feito da maneira que a gente quer fazer, e também existem outros agravantes. Além de o exoesqueleto ser uma veste robótica controlada por sinais biológicos originados do cérebro, ele tem um feedback tátil que vai fazer com que as pessoas possam sentir que elas estão tocando o chão com essa veste robótica. Há ainda o fato de que é uma demonstração em ar livre, em um estádio de futebol, com 70 mil pessoas cheias de telefones celulares, câmeras e outros equipamentos gerando ruído eletrônico. Então temos que ter 100% de segurança de que tudo vai funcionar.
Como é possível criar um exoesqueleto dessa forma, com o projeto sendo desenvolvido ao mesmo tempo em diferentes partes do mundo?
A gente brinca que o nosso modelo de gestão científica é parecido com a forma como o cerébro funciona: de uma maneira distribuída, com bilhões de neurônios interagindo para a execução de uma tarefa. Nós decidimos que essa era forma mais otimizada e mais eficaz para realizar uma missão dessa magnitude: dividir e fazer múltiplas tarefas em paralelo.
O projeto envolve milhares de passos, é como pôr um homem na Lua. Só que não somos a Nasa, não temos os recursos e a infraestrustura que a Nasa tinha quando colocou o homem na Lua, estamos fazendo uma versão tupiniquim da Nasa. A única maneira de resolver isso era recrutar os melhores cientistas do mundo, convencê-los a abrir mão dos seus salários e de suas patentes, das suas ideias – porque estamos usando algumas ideias inovadoras que ainda não foram sequer publicadas. E eles concordaram, meus colegas, meus amigos mundo afora, generosamente abriram mão de tudo.
Descobrimos que o método de gestão distribuído funciona muito bem. O que permite que a gente avance. Um projeto que levaria de cinco a seis anos teve que ser reduzido, uma vez que ele foi aprovado oficialmente em janeiro deste ano. Ou seja, vamos executá-lo em 18 meses.
Qual parte está sendo desenvolvida aqui na Alemanha?
Na Alemanha estamos construindo, juntamente com meu grande amigo Gordon Cheng, na Universidade Técnica de Munique, os sensores táteis dessa pele artificial. Essa foi uma ideia do Gordon: criar uma pele artificial que vai vestir o exoesqueleto principalmente na planta do pé para permitir que, quando o pé encoste no chão, a pessoa tenha noção de que encontrou o chão do ponto de vista tátil.
Esses sensores e a pele artificial foram desenvolvidos aqui, e toda a estrutura inicial, todo o pensamento, a filosofia do exoesqueleto foram desenvolvidos em conversa com o Gordon aqui em Munique. Agora essas ideias estão sendo implementadas na montagem dos dois primeiros protótipos do exoesqueleto, cujas propriedades foram testadas nos Estados Unidos, com macacos no meu laboratório na Universidade de Duke, mas estão sendo montados na França e serão enviados para o Brasil.
E no Brasil serão feitos os testes com pacientes?
No Brasil, ao mesmo tempo que estamos estudando uma série de processos de controle do exoesqueleto no nosso instituto em Natal, temos um grupo de engenheiros de várias nações trabalhando em Natal, nesse momento, simulando como é que será o controle do exoesqueleto por sinais do cérebro. Em São Paulo estamos terminando um laboratório de reabilitação neurorobótica, onde os pacientes selecionados vão testar o exoesqueleto e outras tecnologias.
Existem simuladores para se usar o exoesqueleto, por exemplo. Nós contruímos um simulador virtual, uma sala que simula um estádio de futebol e a pessoa é imersa nesse estádio virtual e anda no andador robótico. Isso vai criar as condições para treinar o cerébro dessa pessoa para as condições do dia da abertura da Copa. O laboratório está ficando pronto. Em novembro a gente começa a trabalhar com os pacientes.
Como será, no futuro, o uso do exoesqueleto?
O exoesqueleto é como se fosse uma veste mesmo, mas uma veste toda robótica. No futuro, teoricamente, as pessoas com deficiências começariam o dia vestindo o exoesqueleto e fazendo uma checagem de todos os motores, de todo o controle. É como a gente vê nos filmes de ficção, de certa maneira, no Homem de Ferro, por exemplo.
A partir daí, essa pessoa usaria a atividade mental para controlar os movimentos que seriam não só para fazer as atividades naturais diárias da vida, mas também para o processo de reabilitação. Manter o corpo se movimentando, apesar da lesão da medula espinal, é muito importante para manter a condição biológica dos músculos, dos ossos, cardiovascular. Então existem várias questões secundárias que ocorrem depois de uma lesão medular que o exoesqueleto resolveria em termos de reabilitação.
E a comunicação com o cérebro, como ocorreria?
A gente já tem a tecnologia wiresless para transmitir sinais cerebrais para esses motores controladores do exoesqueleto. Em algumas circunstâncias, como na abertura da Copa, a gente ainda tenha que usar cabos para evitar o ruído eletrônico. Mas, a princípio, vamos usar métodos que foram já descritos em laboratório e, nessa primeira demonstração, vamos usar métodos não invasivos. Ou seja, vamos ler sinais do couro cabeludo do chamado eletroencefalograma, sinais que contêm uma informação ou também sinais musculares.
É como, de certa maneira, aprender a dirigir: existe um certo processo de treinamento para que a pessoa se acustume com a ideia. Porque é uma ideia totalmente nova, você precisa relaxar, imaginar o movimento que você quer fazer e deixar o exoesqueleto te carregar. E é preciso também processar os sinais táteis que o exoesqueleto vai devolver para o seu corpo.
Você vai andar e sentir o movimento. O cérebro tem que se adaptar – ele vai, lentamente, assimilar a veste robótica como se fosse uma extenção real do paciente. E eventualmente, esse paciente vai controlar o exoesqueleto de uma forma muito natural, como se ele tivesse andando com o próprio corpo.
Como essa comunicação entre cérebro e exoesqueleto vai acontecer exatamente?
Além da veste propriamente dita, o exoesqueleto tem uma mochila, que é a central de controle, que é o cérebro do exoesqueleto que vai dialogar com o corpo do paciente. Essa central vai captar os sinais do cérebro do paciente, vai traduzi-los em sinais digitais para que o exoesqueleto possa entender e vai receber os sinais de feedback, que serão transmitidos de volta ao paciente.
Essa veste vai conter todos os motores hidráulicos que vão mover o exoesqueleto e as baterias, outro componete fundamental, porque elas vão fornecer a potência para o exoesqueleto funcionar.
O projeto Walk Again recebeu críticas em algum momento?
Ele nunca recebeu críticas científicas, porque as pessoas conhecem o nosso laboratório e conhecem o trabalho que eu tenho feito nos últimos 30 anos. Nós tivemos pessoas no Brasil que questionaram o fato de o Brasil tentar fazer um projeto desse que, eu acho, é uma visão equivocada.
O Brasil é hoje um país inserido no mercado internacional de ciência e, para avançar em ciência num país como o nosso, é preciso que existam projetos ambiciosos que vão além da rotina. Se você nunca sonhar alto, nunca vai conseguir mudar de nível.
Projetos assim são importantes para divulgar a ciência, mostrar o que ela pode fazer pela humanidade e também estimular a comunidade científica a ambicionar mais. Isso ainda não faz muito parte da nossa cultura no Brasil. As pessoas que criticaram o investimento federal brasileiro público nesse projeto também não sabem que, em todo o mundo, são os governos que investem em ciência abstrata e aplicações clínicas iniciais.
Por onde eu passo no mundo, brasileiros e não brasileiros estão ansiosos com a possibilidade de ligar a televisão e ver algo que, para mim, vai ser similar a como pousar na Lua mesmo.
E quem será esse paciente? Um brasileiro?
A gente espera que seja um brasileiro, a não ser que ocorra algo de última hora que a gente não está prevendo. Mas já temos um grupo de pacientes que estamos começando a selecionar em São Paulo. Nós não queremos criar nenhum espírito nesse grupo de pacientes de que existe alguém mais ou menos qualificado, porque vamos trabalhar com eles também depois da Copa. Só vamos saber realmente quem será a pessoa que vai dar esse chute nas últimas semanas, talvez nos últimos dias que antecedam a cerimônia de abertura.
Mas isso é secundário para nós. O que é importante é a gente ter certeza que a gente está criando algo que tenha um retorno real, um benefício para esses pacientes, que a gente possa abrir um horizonte de esperança de que, em alguns anos, cadeiras de roda se transformem em objetos de museu. E que a gente possa andar pelas ruas e notar que as pessoas que antigamente estavam numa cadeira de roda estão andando pela cidade, pegando ônibus, fazendo compras, vivendo plenamente.
Nádia Pontes, Deustche Welle
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