O centenário do Prêmio Nobel de Literatura, Albert Camus. Poucos duvidarão de que foi um dos grandes escritores do século XX, mas o consenso acaba aí (...)
Prêmio Nobel da Literatura, reconhecido como um dos grandes escritores do século XX, o autor de O Homem Revoltado é ainda hoje uma figura polêmica na sociedade francesa.
Cem anos após o seu nascimento, que se cumpriram no último dia 07, e mais de meio século após a sua morte, Albert Camus (1913-1960), prémio Nobel da Literatura em 1957, está longe de ser um autor devidamente arrumado, seja nas gavetas da literatura, seja nas da filosofia ou da política. Poucos duvidarão de que foi um dos grandes escritores do século XX, mas o consenso acaba aí.
Aproximaram-no do existencialismo, mas recusou o rótulo, viram-no como um filósofo do absurdo, mas nunca caiu no niilismo, e se há uma filosofia em O Mito de Sísifo (1942) ou O Homem Revoltado (1951), ela também passa pela negação de que a filosofia possa responder às questões centrais da existência humana.
Camus foi um apologista da revolta, mas não um revolucionário, considerava-se socialista, mas recusava o marxismo, era anticolonialista, mas opôs-se à independência da Argélia. Não admira que tenha sido atacado à esquerda e à direita na sociedade francesa do pós-guerra, mas é difícil não reconhecer a sua fidelidade a um humanismo que recusava sacrificar a ética a quaisquer abstracções políticas.
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A comemoração do seu centenário em França, e em particular as vicissitudes que sofreu o projecto de se lhe dedicar uma grande exposição na Capital Europeia da Cultura Marselha 2013, mostra que Camus mantém um surpreendente potencial polémico na França de hoje.
Na Cité du Livre de Aix-en-Provence abriu no mês passado a exposição Albert Camus, Citoyen du Monde. Concebida por um comité coordenado por Marcelle Mahasela, a exposição aposta fortemente nas novas tecnologias e no impacto visual. O jornal Le Monde visitou-a e não ficou bem impressionado. “A dimensão visual leva a melhor sobre a pedagogia crítica e a contextualização histórica”, escreve o diário, observando que a guerra da Argélia é evocada “em algumas frases, nada que incomode”.
A história começou em 2009, quando o historiador Benjamin Stora foi encarregado de preparar uma grande exposição sobre Camus. O seu projecto, que se centraria bastante na relação de Camus com a Argélia, foi cancelado em Maio de 2012. A presidente da câmara de Aix-en-Provence, Maryse Joissains-Masini, do partido de direita UMP, foi acusada de ter cedido aos nostálgicos do colonialismo. E a então recém-nomeada ministra da Cultura, Aurélie Filippetti, avisou não financiaria o projecto sem Stora.
O senhor que se seguiu foi o filósofo Michel Onfray, que acabou por se demitir em Setembro, farto de ser atacado na imprensa por ter aceite o cargo em tais circunstâncias.
Uma Argélia de miséria e sol
Uma história pouco edificante que, por trás das suas motivações mais imediatas, talvez confirme apenas que a apropriação de Camus continua a não ser fácil.
Visto muitas vezes como paradoxal ou mesmo contraditório, o autor acreditava que “cada artista guarda dentro de si uma fonte única”. No seu caso, essa fonte brotava da sua infância na Argélia: “A miséria impediu-me de acreditar que tudo está bem sob o sol e na história; o sol ensinou-me que a história não é tudo.”
Nascido no Nordeste da Argélia, em 1913, Camus não chegou a conhecer o pai, morto no início da Primeira Guerra, e foi viver com a mãe para Belcourt, um bairro pobre de Argel. Fez os estudos liceais e universitários em Argel, onde teve como professor o filósofo Jean Grenier, que o fez descobrir Nietzsche. Em 1930, contraiu uma tuberculose que o terá sensibilizado precocemente para a inevitabilidade da morte.
Casa-se com Simone Hié em 1934 e no ano seguinte adere ao Partido Comunista Francês. Ambos os compromissos duraram apenas dois anos. Em 1940, casa-se com Francine Faure, e instala-se em Paris. Escreve em jornais, torna-se leitor da Gallimard e adere à Resistência.
Apesar de já ter no currículo alguns importantes livros de ensaios, é nessa primeira metade dos anos 40 que se afirmará como um escritor maior da sua geração, com as obras do chamado “ciclo do absurdo”: o ensaio O Mito de Sísifo (1942), o romance O Estrangeiro(1942), a peça O Equívoco (1944). Pode dizer-se que A Peste abre, em 1947, um segundo ciclo, cuja tónica é a revolta, e que inclui o ensaio O Homem Revoltado (1951), obra que provocou fortes polémicas e levou à sua ruptura com Jean-Paul Sartre. Ao condenar tanto o terrorismo de Estado como a violência revolucionária, Camus irritou alguma esquerda francesa. E ao defender uma Argélia liberta do jugo colonial, mas não independente da França, tanto enfureceu os colonialistas franceses como os nacionalistas argelinos.
Albert Camus morreu aos 46 anos, em 1960, num acidente de viação.
Em Portugal, várias iniciativas assinalam o centenário do seu nascimento. No Teatro Paulo Quintela da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Cristina Robalo Cordeiro, Mário Mesquita e Eduardo Lourenço abordam, a partir das 17h, diferentes aspectos da sua vida e obra. Pela mesma hora, Marcello Duarte Mathias, autor de A Felicidade em Albert Camus, evoca o escritor no Auditório da Academia das Ciências.