Bastante hostilizados por boa parte da classe médica brasileira quando chegaram ao País, médicos cubanos encantam a população e revelam que têm muito a ensinar
Paulo Nogueira, DCM
Os médicos brasileiros aprenderam uma coisa rapidamente com a chegada de seus colegas – ou rivais, segundo a visão dominante entre eles – cubano: são detestados.
Exagerei?
Então vou colocar a coisa de forma mais branda: não são amados. Especificamente entre os brasileiros desvalidos, esta é uma verdade doída que nem os médicos brasileiros podem contestar sem enrubescer.
O episódio de Feira Santana é particularmente revelador. A força do tema é tanta que Feira de Santana, pela primeira vez em muitos anos, virou assunto nacional.
Um médico cubano (foto acima) teria escrito no papel uma dose errada para uma criança com febre. Na consulta em si, segundo a mãe da criança, o médico explicou tudo com clareza e acerto.
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Alguém teve acesso à receita e a usou para denunciar o cubano. Ele foi afastado.
E isso gerou uma revolta entre as pessoas, as humildes pessoas, que tinham sido atendidas pelo cubano.
A primeira da lista da revolta era a própria mãe do garoto. Ela se mobilizou pela reintegração do cubano. Em sua simplicidade, disse o que todos sabemos: os cubanos tratam seus pacientes com carinho e atenção, enquanto os brasileiros, retiradas como de hábito as exceções, sequer os olham.
De certa forma, os mal-amados médicos brasileiros são vítimas. Eles foram e são educados num sistema mercantil em que a saúde é uma mercadoria com finalidades estritamente lucrativas.
São fortemente influenciados por gigantescos laboratórios multinacionais que simplesmente quebrariam se a humanidade, subitamente, se tornasse saudável.
Por viverem da doença, os laboratórios estimulam os médicos – sempre convidados a bocas livres em hotéis e cidades especiais – a receitar remédios sempre.
É raro você sair de uma consulta sobre um colesterol alto sem que o médico indique medicamentos, em vez de uma vida mais saudável com exercícios e uma dieta menos assassina.
A internacionalmente aclamada medicina cubana tem outra visão da saúde.
Para os médicos cubanos, a chave está na prevenção. Tenha bons hábitos. Em Cuba, existe o chamado doutor comunitário. Como um amigo, ele acompanha as pessoas de uma determinada região.
Uma vez por ano, o doutor comunitário faz uma visita de surpresa ao paciente, em sua casa, para ver se seus hábitos estão de acordo com uma vida de saúde.
É por isso que é comum, em Cuba, você ver idosos se exercitando na praia. O resultado é que a expectativa de vida em Cuba, a despeito das limitações econômicas impostas pelo duríssimo embargo americano, é uma das maiores do mundo.
Além de tudo, a medicina, em Cuba, conservou algo do sacerdócio e do idealismo que o império do dinheiro foi destruindo no Ocidente, incluído o Brasil.
A principal motivação de um candidato a médico, no Brasil, é a remuneração. É uma das profissões mais bem pagas.
Dentro dessa lógica pecuniária, o jovem médico vai se estabelecer onde pode ganhar mais dinheiro: São Paulo, por exemplo.
Por isso, e pela inação de tantos governos, milhões de desvalidos em cidades remotas ficaram ao longo dos tempos sem um único médico.
Ou, como no caso de Feira de Santana, com médicos que gostariam de estar em outro lugar, com uma clientela disposta a pagar 400, 500, 600 reais por uma consulta.
Os médicos brasileiros, diante da chegada dos cubanos, têm agora duas alternativas.
Uma é ficar sabotando-os. É a mais fácil.
Outra é, humildemente, aprender com eles. É a mais sábia, tanto para os médicos brasileiros como para a sociedade como um todo.
A não ser que os médicos brasileiros se reinventem, logo as pessoas – e não estou falando apenas das desvalidas – passarão a sonhar em ter um médico cubano para cuidar delas.