Em Amsterdã, consumidores e vendedores aplaudem a decisão do governo uruguaio de José Pepe Mujica que legalizou a maconha no país
É noite de sábado, cai uma fina chuva sobre Amsterdã, mas o movimento de turistas no distrito vermelho da capital holandesa é intenso. No meio da multidão, uma senhora brasileira cutuca o marido. “Tá sentindo o cheiro?”, diz ao passar em frente a um coffe shop. O casal garante que veio ao bairro da luz vermelha dos bordeis e da luz verde dos coffe shops só para matar a curiosidade.
Dentro da loja, o vendedor A. D. diz a que “a empresa” que lhe fornece cannabis é “de confiança”, mas prefere manter o nome em sigilo, assim como seu próprio nome. A. D. trabalha em uma loja no distrito vermelho e vende desde a erva pronta para preencher um baseado, como também sementes de cannabis e instrumentos para fumar ou inalar a erva. Ele vende pacotes com três a 25 sementes, de espécies provenientes da América, da África ou da Ásia.
O preço do pacote com 10 sementes depende da espécie da planta e varia entre 20 a 180 euros (entre R$ 60 e R$ 560). “Iniciantes devem plantar espécies com menor concentração de tetraidrocanabinol (THC)”, aconselha o vendedor, munido de um folheto que mostra fotografias e características das espécies.
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THC é a substância química produzida pela cannabis responsável pelos efeitos psíquicos da droga. O nível médio de THC na maconha dos coffee shops na Holanda é de 18%, mas normas criadas em 2011 estabelecem que o teor de THC na erva comercializada nesses locais tenha um teto máximo de 15% para ser considerada droga leve.
Em 2012, a regra entrou em vigor e as amostras de maconha com mais de 15% de THC passaram a ser reclassificadas como droga pesada. Ainda assim, em um pub no centro da cidade, o belga Jan Peters, 39 anos, reclama da maconha que provou em um coffee shop de Amsterdã. “Embora você tenha muitas opções, achei a maioria muito forte. Queria me sentir ‘high’ (leve), mas me senti ‘stoned’ (chapado). Prefiro a minha bio-maconha, plantada em casa mesmo”, opina.
Exemplo uruguaio
A.D. avalia que a legalização da maconha no Uruguai é um bom sinal para o mercado internacional. “Se todo o mundo reconhecer a maconha como já reconhece o álcool e o tabaco, vai ser bom para todos – produtores, comerciantes e consumidores”, defende ele. Mas avalia que o “turismo de coffee shop” em Amsterdã poderá diminuir. “Um sul-americano não vai mais precisar viajar até aqui só para fumar um baseado tranquilamente, sem medo de estar fora da lei. Será mais barato viajar a Montevidéu”. Sorridente, A.D. diz que não tem medo do futuro. “Acho que vai ter cliente para todo mundo”, afirma.
Em outra rua do distrito vermelho, no coffee shop “Voyagers”, o engenheiro de som Jesse Wise, 22 anos, curte uma tarde de domingo fumando um baseado. Pagou 10 euros (pouco mais de R$ 20) por um pacote com cerca de 2 gramas que lhe permite desfrutar de três cigarros. O consumo individual permitido por lei é de no máximo 5 gramas por dia.
Wise deixou Londres para buscar trabalho em Amsterdã, onde reside há um ano, e lamenta que o consumo da maconha ainda seja tabu. “Temos problemas mais graves no mundo. Todos os países poderiam taxar o consumo da maconha, como já fazem com o álcool. Sei que é uma questão de tempo, mas está demorando muito porque nenhum político tem coragem de levar um projeto como o da liberalização adiante”, diz Jesse.
O britânico critica a política de sua cidade natal. “Londres esconde um mercado negro da maconha, que acaba financiando organizações criminosas. É um problema de atitude. Londres também sofre com o álcool – que é legalizado e está em todos os pubs. Amsterdã oferece um lugar seguro para comprar e fumar e tem uma maneira de lidar com a questão de uma forma mais natural. No fim das contas, é só uma escolha do indvíduo”, defende.
Jesse também aplaude a decisão do governo do presidente uruguaio, José Mujica. “Quanto mais mercado, menos turismo da maconha e menos preconceito contra o usuário”. O engenheiro também considera que o preconceito sobre a maconha prejudica a realização de pesquisas científicas independentes. “Hoje ainda se sabe muito pouco sobre os malefícios e benefícios do consumo da planta”, opina.
Sem interesse em experimentar cannabis, a farmacêutica brasileira, Amanda Cavalheiro, passeia por Amsterdã após participar de um congresso e visita o distrito vermelho por curiosidade. Amanda defende o uso medicinal da planta, mas desincentiva o uso recreativo. “O uso intensivo da maconha lesiona o córtex cerebral, destrói neurônios e diminui a memória e a capacidade de raciocínio. Por outro lado, tem um efeito relaxante, inibidor das vias de transmissão da dor, que causa alívio muito significativo para quem precisa, como pacientes terminais”, pondera a farmacêutica.
Paradoxo do abastecimento
A tolerância de estoque de maconha em cada coffee shop é de no máximo 500 gramas. Hoje, o cultivo doméstico de cannabis na Holanda é considerado ilegal, mas se a pessoa for encontrada com no máximo cinco plantas dentro de casa e concordar entregá-las à polícia, fica liberada da acusação.
Em abril deste ano, cerca de dez prefeituras da Holanda – entre elas Amsterdã, Rotterdã, Utrecht e Haia – pediram ao Ministério da Justiça regular a produção de cannabis e obrigar os coffe shops a comprarem somente de fornecedores reconhecidos pelo governo. A ideia é eliminar totalmente qualquer possibilidade de crime organizado no ciclo econômico produção-consumo. “A maconha não cai do céu”, alegou o prefeiro de Heerlen, Paul Depla, ao jornal holandês The Dutch News. O Ministério da Justiça aprovou em outubro o plano de forma experimental por três anos para as cidades de Heerlen, Venlo e Roermond, no sul da Holanda.
Viviane Vaz, Terra