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Visita a um dos maiores centros de tortura da ditadura

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A difícil arqueologia de um dos maiores centros de tortura da ditadura. Antiga sede do Doi-Codi, em São Paulo, onde morreram Virgilio Gomes e Vlado, entre dezenas de vítimas, pode virar um centro de memória

Entre cobranças e críticas, parlamentares e militantes torturados pela ditadura remontaram a memória (Eduardo Anzelli / Folha Press)

Inquietos ou serenos, antigos “hóspedes” do mais conhecido centro de torturas do período autoritário vão reconhecendo o terreno hostil para onde foram levados entre o final dos anos 1960 e início dos 1970. O local, entre a Vila Mariana e o Paraíso, tradicionais bairros da zona sul de São Paulo, sede do 36º DP, abrigava a Operação Bandeirante (Oban) e o Doi-Codi, onde se contam 52 mortos sob tortura. O prédio – que tem um processo de tombamento sob análise do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) – está descaracterizado, o que confundiu alguns ex-torturados na visita realizada na semana passada, organizada pela Subcomissão da Verdade e Memória do Senado Federal. Eles coincidiram em um ponto, na identificação da sala de torturas onde morreu, entre outros, Virgilio Gomes da Silva, em setembro de 1969.

É uma área no segundo andar de um prédio nos fundos, atrás da delegacia, atualmente sob responsabilidade do Departamento de Polícia Judiciária da Capital (Decap). Para entrar, é preciso esperar que alguém traga as chaves do cadeado que tranca a porta de ferro. Alguns hesitam antes de subir a escadaria estreita, que vai dar em instalações mal-conservadas, com fiações à mostra e infiltrações.

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Diante do portão, o jornalista Antonio Carlos Fon é incisivo, lembrando-se da prisão em 1969. “Exatamente aqui o Raul Careca me entregou ao Albernaz”, conta, referindo-se ao delegado Raul Nogueira e ao capitão Benone Albernaz. “Numa das salas de pau-de-arara o Celso Horta (também jornalista) estava sendo torturado, e na outra sala, eu. Eu não via, eu ouvia eles torturando o Jonas (Virgilio)”, acrescenta Fon, hoje integrante do Comitê Paulista Memória, Verdade e Justiça.

Além de Fon, Ary Costa Pinto, Moacyr de Oliveira Filho e Darci Toshiko Miyaki percorrem as salas, olham os corredores e trocam impressões com os outros visitantes, como os senadores João Capiberibe (PSB-AP), presidente da subcomissão, e Eduardo Suplicy (PT-SP), os deputados federais Ivan Valente (Psol-SP) e Luiza Erundina (PSB-SP) e o procurador da República Andrey Borges de Mendonça.

No segundo andar do prédio dos fundos, logo à esquerda, fica uma sala mais espaçosa, ensolarada. Nela, todos concordam que se tratava de uma sala de torturas. Fon afirma: Jonas morreu ali. “Aqui (aponta o chão) tinha um pau-de-arara. Quando chegou o Jonas, me colocaram na cadeira do dragão. Ele morreu aqui onde nós estamos. Eu estava muito debilitado e confuso. Ouvi eles perguntando: ‘Onde está a metralhadora, Jonas?’. Ele ficou agonizando aqui, todo arrebentado, até o final da tarde.”

Ex-PCdoB, hoje na liderança do PSB no Senado, o jornalista Moacyr Oliveira Filho também identifica aquela sala como local de torturas. E lembra de um detalhe, reconhecido por outras pessoas: Ustra trazia uma das filhas para brincar com as presas. “Era uma tortura psicológica.” Recorda também do rádio colocado em volume alto quando a tortura se tornava mais intensa.

O funcionário público Ary Costa Pinto conta que entrou encapuzado, em 1973, e acredita que tenha passado por aquela mesma escadaria. “Subi uma escada e fui recebido pelo Ustra (o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra) e pelo capitão Ubirajara (o delegado Aparecido Calandra). Eu era solidário à resistência, mas não pertencia a nenhuma organização. Então, não tinha o que falar. Nos primeiros dias, apanhei bastante.”

A visita prossegue em outra instalação, com entrada lateral, pela rua Tomás Carvalhal, atual área do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Logo na entrada, em uma pequena portaria, Moacyr aponta: “Aqui ficava o Dulcídio Wanderley Boschilla (ex-policial, mais conhecido como árbitro de futebol)”. A alguns metros, em uma área externa, que abriga carros velhos e sucatas, Fon identifica o local da encenação de suicídio de Vladimir Hergog, o Vlado, então diretor de Jornalismo da TV Cultura, morto em 1975. Para o presidente da Comissão Justiça e Paz de São Paulo, o advogado Antonio Funari Filho, o local aparenta ter abrigado uma cela. O reconhecimento é difícil. Além das mais de quatro décadas passadas, há paredes e divisões que não existiam.

Darci Miyaki observa: “Este centro de tortura não foi escolhido por acaso. Era extremamente próximo do QG do 2º Exército”. Em um dos corredores, ela faz um pedido aos senadores Capiberibe e Suplicy e à deputada Erundina: “Vamos tentar fazer disto realmente um centro de memória”.

Quase na saída, Fon cita o Projeto de Lei 573, de 2011, de Erundina. “O projeto reinterpreta a Lei de Anistia e o Parlamento está se omitindo em relação a isso”, critica. A deputada lembra que o PL já foi rejeitado na Comissão de Relações Exteriores e está na Comissão de Constituição e Justiça, também com parecer pela rejeição, conforme relatório do deputado Luiz Pitiman (PMDB-DF). “Se a matéria for pautada, de novo vai ser rejeitada”, afirma Erundina, que só vê chance de sucesso com pressão externa. “A maioria do Congresso não tem compromisso com a democracia. É preciso que a sociedade venha em apoio a nós, que somos minoria no Congresso, que foi quem apoiou essa lei manca”, acrescenta, em referência à Lei 6.683, de 1979.

A deputada também faz cobranças à Comissão Nacional da Verdade. “Muitos beneficiados pela Lei de Anistia sequer foram chamados. Descobrir novos fatos, acrescenta, só é possível “com oitivas, ouvindo os torturadores”. Para ela, a violência de ontem ajuda a explicar a violência atual.

“Aqui se trata do maior centro de tortura daquele período. Vamos fazer mais algumas visitas, e a partir disso vamos levar essa discussão para dentro das Forças Armadas”, diz o senador Capiberibe. “É importante que elas discutam a história e separem aqueles que cometeram crimes da instituição.”

Vitor Nuzzi, RBA