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Comissão da Verdade conclui que JK foi assassinado

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Documento divulgado hoje pela Comissão da Verdade reúne elementos inéditos que desmontam versão oficial sobre morte de JK

Ao divulgar relatório, Comissão da Verdade declara que Juscelino Kubitschek foi assassinado (Foto: Juscelino Kubitschek na inauguração da fabrica de chassis da Mercedes / por Antonio Lucio)

Os membros da Comissão Municipal da Verdade de São Paulo ‘Vladimir Herzog’ declararam hoje (10) que o ex-presidente da República Juscelino Kubitschek foi vítima de um assassinato político, e que o acidente automobilístico que tirou sua vida, em 22 de agosto de 1976, foi fruto de um complô ordenado pela cúpula da ditadura que então governava o país.

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Aventada há décadas por familiares de JK e opositores do regime militar, a declaração dos parlamentares paulistanos se baseia num estudo conduzido ao longo de nove meses pelo grupo, sob a coordenação do vereador Gilberto Natalini (PV), ele mesmo uma vítima da repressão, e presidente do colegiado instalado na Câmara Municipal em maio do ano passado. Além dele, Juliana Cardoso (PT), Mário Covas Neto (PSDB), Ricardo Young (PPS), José Police Neto (PSD), Laércio Benko (PHS) e Rubens Calvo (PMDB) assinam o documento de 29 páginas, intitulado Relatório JK.

“Estamos pedindo que o Brasil declare que Juscelino morreu de morte matada, e não de morte morrida. Não foi acidente, foi um atentado que provocou aquele acidente que matou JK”, exige Natalini. Para o vereador, todos os indícios apontam que os mandantes do crime foram os generais Golbery do Couto e Silva, então ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, e João Baptista Figueiredo, que na época comandava o Serviço Nacional de Informações (SNI) e dois anos depois seria nomeado como último presidente militar do país.

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O vereador lembra que a morte de JK inaugurou um período de 272 dias em que também morreram o ex-presidente João Goulart, em 6 de dezembro de 1976, e o ex-governador da Guanabara, Carlos Lacerda, em 21 de maio de 1977. Os três políticos perderam a vida em circunstâncias controversas. Na mesma época, outros líderes latino-americanos, opositores dos regimes militares que tomaram o continente, também morreram em condições misteriosas – ou foram escandalosamente assassinados.

“JK partia para uma candidatura”, lembra Natalini. “Isso, somado às questões do Cone Sul, mostra que houve uma articulação e que Juscelino era um dos adversários políticos a serem eliminados.” O Relatório JK recorda trechos de uma correspondência trocada entre João Baptista Figueiredo e o chefe da polícia secreta chilena, Manuel Contreras Sepúlveda, mostrando que os serviços de inteligência estavam preocupados com o surgimento de alternativas democráticas aos regimes militares na região.

Versões

Juscelino Kubitschek perdeu a vida após o veículo em que se encontrava, um Opala, fabricado pela Chevrolet, colidir frontalmente com um caminhão Scania-Vabis. O acidente ocorreu na Rodovia Presidente Dutra, na altura do km 168, atual km 331, no município de Resende (RJ). Conduzido pelo motorista Geraldo Ribeiro, que trabalhava com JK havia 36 anos, o carro do ex-presidente tinha saído de São Paulo com destino ao Rio de Janeiro.

A versão oficial atesta que o motorista de JK perdeu o controle do Opala após ter sido abalroado por um ônibus da Viação Cometa, que seguia na mesma direção. O toque entre os veículos teria feito com que Ribeiro, de 64 anos, não conseguisse fazer a curva à direita que surgiria logo à frente. O carro, então, passou para a pista contrária, batendo de frente com o caminhão. Tanto JK como seu motorista morreram instantaneamente.

Com 90 pontos, o Relatório JK se dedica a desmontar essa versão, defendendo a tese de que o acidente não foi provocado pela imperícia de Geraldo Ribeiro ou pelo choque de um ônibus no Opala que conduzia o ex-presidente. De acordo com Gilberto Natalini e os demais vereadores que assinam o documento, o motorista de JK recebeu um tiro na cabeça momentos antes de fazer a curva. Por isso é que, desfalecido, perdeu o controle do carro, passou para a pista contrária e colidiu com o Scania.

Novidades

A Comissão Municipal da Verdade não consegue provar de maneira cabal essa versão. Seus membros, porém, obtiveram pela primeira vez alguns fatos e testemunhos importantes para contestar a história oficial. A informação nova foi somada a indícios, evidências, documentos e contradições que já eram conhecidos da opinião pública graças ao trabalho de jornalistas que haviam se dedicado à investigação da morte de JK. Alguns livros sobre o assunto também são citados.

“Tivemos algumas coisas que não eram conhecidas, que nós trouxemos, e reunimos provas que estavam soltas por aí, jogadas, divididas e diminuídas. Fomos juntando ponta por ponta e produzimos o relatório”, explica o parlamentar do PV. Natalini cita como exemplos de suas “descobertas” o extravio de laudos periciais que atestam a presença de “fragmentos metálicos” dentro do crânio do motorista de JK. Os restos mortais de Geraldo Ribeiro foram exumados em 1996. “Ninguém sabia desse sumiço.”

“O depoimento do motorista da carreta (que vinha atrás do Scania que colidiu com o Opala) também não era conhecido de ninguém. Fomos buscar lá em Santa Catarina. Passamos o dia com ele e ele contou”, continua Natalini, fazendo referência ao motorista de caminhão aposentado Ademar Jahn, que prestou três depoimentos à Comissão Municipal da Verdade no último mês de novembro, em Joinville (SC). Jahn conduzia um caminhão pela Rodovia Presidente Dutra no momento do acidente, e afirma ter visto o Opala de JK passando para o outro lado da pista.

De acordo com o Relatório JK, nos instantes que antecederam a batida, o motorista catarinense viu Geraldo Ribeiro debruçado, com a cabeça caída entre o volante e a porta do automóvel, “não restando dúvida de que o condutor se encontrava desacordado e inconsciente, e já não controlava o veículo, antes do impacto com o caminhão.” Para Natalini, o testemunho, inédito, ao lado dos indícios periciais de que o motorista de JK recebeu um tiro na cabeça, é um dos principais elementos a sustentar a tese dos vereadores paulistas.

“Vamos oficiar a presidenta da República, o presidente do Congresso, o presidente do Supremo Tribunal Federal e o coordenador da Comissão Nacional da Verdade, pedindo que o Brasil reconheça que JK foi assassinado, e que não houve morte acidental”, anuncia Natalini, que espera agora ações concretas das autoridades brasileiras. “Elas têm o poder de fato, legal, de reescrever a história. Espero que entendam que foi trabalho sério, dedicado e sereno. Vamos mandar pra eles uma quantidade enorme de provas, porque tudo o que está escrito aqui tem provas.”

Tadeu Breda, RBA