Após dia de fúria, jovem perdeu emprego e deixou faculdade. Pierre Ramon trabalha hoje como garçom num clube de striptease. Aquela foi a sua primeira e última participação em manifestações
Em 18 de junho, o então estudante de arquitetura Pierre Ramon, 20, participou de sua primeira e, até agora, última manifestação.
“Fiquei contagiado pela força do pessoal que protestava contra a tarifa de ônibus e resolvi ir ao ato. Aquele era um momento histórico e eu queria fazer parte dele.”
Durante o protesto, no entanto, Ramon protagonizou, em cadeia nacional, cenas de depredação do edifício da Prefeitura de São Paulo (relembre aqui).
Atirou pedras contra o mármore da fachada e investiu uma grade metálica contra os vidros do prédio.
De camisa branca, calça jeans e máscara –que retirava vez por outra para “respirar melhor”–, Pierre recebeu um alerta ao se misturar novamente à massa de gente que ocupava o local. “Aí, velho, você ficou visado demais. Melhor cair fora.”
Ao entrar no metrô para voltar para casa, seu celular começou a apitar. “Meus amigos começaram a me mandar centenas de mensagens porque tinham me visto ao vivo na TV”, conta. “Disseram que o [apresentador] Marcelo Resende estava dizendo que eu era o líder dos ‘black blocs’ e que tinha botado fogo num carro. Congelei.”
Pierre diz que nunca tinha ouvido falar em ‘black blocs’ e que atacou a prefeitura porque recebeu “spray de pimenta na cara”. “Nunca fui de arrumar briga. Não sou um cara agressivo. Mas, no calor da hora, acabei tomando aquela atitude”, lamenta. “Desde então, estou perdido. Minha vida virou do avesso.”
Morador da zona leste, filho de um caminhoneiro, Pierre perdeu o emprego de garçom numa casa noturna do Itaim, bairro nobre da zona sul de São Paulo.
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Sem o salário e o horário flexível do emprego anterior, se viu obrigado a trancar o curso de arquitetura. “É tudo deprê. Sem trampo, sem dinheiro… Parece que vivi uns três anos de junho para cá.”
Pierre perdeu sete quilos, em parte porque parou de pagar a academia em que treinava jiu-jítsu e muay thai.
Após errar entre um bico e outro, em setembro conseguiu emprego como garçom de uma casa de striptease no Tatuapé, zona leste. A carga horária, no entanto, não permite retomar os estudos.
Para encarar tamanho revertério, desde junho, Pierre leu quatro vezes a obra “O Alquimista”, best-seller do escritor brasileiro Paulo Coelho. “É algo que faz com que eu me desligue do que está rolando comigo e que me traz um clima de paz.”
O livro narra a viagem de um pastor em busca de um tesouro, que descobre ser sua jornada o que há de mais valioso. “Tudo na vida serve de lição”, filosofa.
Quando se entregou à polícia, dois dias depois da manifestação, foi indiciado sob a acusação de dano ao patrimônio público, crime que, cometido contra o patrimônio público, tem pena prevista de até três anos de prisão.
Na delegacia, Pierre pediu desculpas ao Movimento Passe Livre, que havia convocado o ato do dia 18 de junho.
“Fui errado e estou disposto a arcar com as consequências e pagar centavo por centavo tudo o que fiz de dano.”
O caso está em fase de inquérito, segundo seu advogado, Gerson Bellani.
Apesar de todo o infortúnio que se seguiu a sua primeira e, até agora, última participação em uma manifestação, Pierre acredita que tenha se tornado uma espécie de ícone das chamadas jornadas de junho, para o bem ou para o mal.
“Mais de 3.000 pessoas me mandaram mensagens do Facebook. Só duas me xingavam”, conta. “Uns me chamavam para torcidas organizadas, outros elogiavam o quebra-quebra, depois a dignidade de ter assumido o que fiz e, por último, a coragem de ter pedido desculpas.”
Fernanda Mena, Folhapress