O ano em que a primavera soprou o Brasil
O ano de 2013 foi para ficar na história do Brasil, tanto por fatores objetivos, quanto por fatores subjetivos. Pela primeira vez, em pelo menos duas décadas, grande parte da população brasileira parece ter passado a respirar os ares que já conturbavam, politicamente, o norte da África, com a primavera árabe, a Europa, com grandes greves gerais contra os planos de austeridade, a China, com o reinício de mobilizações sindicais, fruto da proletarização de sua economia, além de outros exemplos mundo afora.
Nenhuma retrospectiva do quadro político brasileiro de 2013 pode negar que o momento de inflexão tenha sido o que ficou conhecido por Jornadas de Junho. Vale a pena, com isto, fazer um balanço dos ganhos que a população obteve, depois de marcharem aos muitos milhões, nas ruas de inúmeras cidades brasileiras, da capital paulista, até o mais pacato interior sertanejo.
As reduções e o passe-livre
O primeiro ganho que deve ser lembrado é, justamente, o que motivou os protestos iniciais, o da diminuição da tarifa e o passe-livre.
O resultado das diminuições das passagens de transporte público coletivo, em todo o país, foi o da queda de 2,11% do item “transporte público” do IPCA de julho, calculado pelo IBGE, que leva em consideração as 11 maiores capitais do Brasil. Todas estas diminuições, na verdade, foram para compensar os aumentos que haviam acontecido no início do ano, quando, por exemplo, este indicador subiu 1,30%, em janeiro. O mais conhecido foi o da diminuição dos 20 centavos, em São Paulo. Este foi o ganho imediato das reivindicações contra o aumento das passagens.
No entanto, tudo isto foi financiado com o próprio dinheiro público, não mexeu no bolso do empresariado do transporte coletivo. Como já havia escrito em um artigo publicado em 1º de julho, intitulado de “Menos impostos e mais lucros para os empresários do transporte público?” (http://www.pstu.org.br/node/19532).
O Governo Federal, por meio de três Medidas Provisórias, isentou os empresários do transporte público do país inteiro de alguns impostos, como: a desoneração da folha de pagamentos do transporte coletivo rodoviário (em vigor desde janeiro de 2013); a desoneração da folha de pagamentos do transporte metroviário; e a isenção total de PIS/Cofins dos serviços de transporte coletivo rodoviário, metroviário e ferroviário.
Segundo a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, estas medidas deveriam reduzir as passagens em, em média, 20 centavos (ou 7,23%) da passagem, pelo repasse da isenção dos impostos. Mas em poucas cidades a passagem diminuiu nesta medida.
Em segundo lugar, veio a implementação do tão exigido passe-livre, em algumas cidades, sendo, infelizmente, ainda muito restrito. Os principais casos foram na Região Metropolitana de Porto Alegre e em Goiânia.
Isto também veio por pressão das manifestações, no entanto, eles foram implementados de forma muito restrita, não atingindo nem todos os estudantes, muito menos todos os horários, limitando-se a horários de aula. No caso de Porto Alegre, foi apenas sobre os coletivos que circulam entre a Região Metropolitana, deixando de fora as linhas de dentro da capital gaúcha.
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Há, também, projetos em tramitação, ainda, como é o caso de Natal, que no atual projeto só inclui estudantes da rede municipal (similar ao caso de João Pessoa, que também se limita a este nível). Na capital potiguar, o projeto teve a primeira versão irrestrita, abarcando todos os níveis de ensino e a qualquer horário, o qual foi aprovado pela Câmara Municipal, mas vetado pelo prefeito da cidade, que propôs esta segunda versão minguada.
Apesar de tudo isto, 2013 foi um avanço para a ideia de passe-livre, sendo, provavelmente, pauta obrigatória das eleições do próximo ano.
A PEC 37 e a votação secreta
Outra reivindicação das ruas foi o de barrar a PEC 37, que passou a ser uma das principais bandeiras, fazendo com que em 25 de junho de 2013, a proposta fosse posta em votação e fosse rejeitada com 430 votos contrários, nove a favor e duas abstenções, depois de ser tida quase como certa a sua aprovação.
A outra PEC, a do “Voto aberto”, promulgada pelo Congresso Nacional no mês passado, também teve sua primeira versão podada, sendo bem mais restrita do que sua versão original. Mas ainda foi outra grande reivindicação das jornadas, principalmente depois do caso do deputado Natan Donadan, que na época era do PMDB de Roraima, o qual não teve seu mandato cassado, em uma votação secreta, mesmo depois de ser condenado por peculato e formação de quadrilha pelo Supremo Tribunal Federal e preso no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília.
Desmilitarização da PM?
O que apenas era bandeira dos partidos da esquerda e de alguns movimentos sociais, a proposta de desmilitarização da Polícia Militar passou a ser algo recorrente no cotidiano dos brasileiros, o que não era pauta, mesmo depois de em 2012 a própria Comissão de Direitos Humanos da ONU ter sugerido a sua extinção, acusada de execuções sumárias e de violações.
Isto veio depois da grande repressão da PM-SP, o qual utilizou 506 balas de borracha e 938 “unidades de munição química” durante o protesto do dia 13 de junho, segundo a própria instituição, e o famoso caso do auxiliar de pedreiro, Amarildo Dias de Souza, desaparecido na Favela da Rocinha e depois assassinado pela PM-RJ.
Que 2014 a primavera se aflore ainda mais
O ano de 2013 foi o ano em que o Brasil entrou no liquidificar das contradições socioeconômicas o qual desde a primavera árabe e a crise econômica mundial assola grande parte do mundo. A tendência para 2014 é que a FIFA e a CBF não tenham sossego. Por isto, desejo aos explorados e oprimidos deste mundo um ano de luta e conquistas, e que não dê um minuto de sossego para aqueles que nos roubam todos os dias, seja legalmente, através de miseráveis salários, seja ilegalmente, através de corrupção, roubos e bandalhas.
Que venha uma nova primavera, que venha 2014.
*Eric Gil é economista do Instituto Latino-americano de Estudos Socioeconômicos (ILAESE) formado pela Universidade Federal da Paraíba, mestrando no Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná; escreve quinzenalmente para Pragmatismo Político