A instituição está pesquisando libertações de vítimas de erros judiciais a partir de 1989, com base no pressuposto de que foi a partir desse ano que os exames de DNA entraram em evidência, como forma de provar a inocência de condenados à prisão
João Ozorio de Melo, Conjur
Nesta semana, um júri federal em Tacoma, Washington, concedeu uma indenização de US$ 9 milhões a um ex-policial que passou 20 anos na prisão, por crimes que não cometeu. Clyde Spencer foi condenado à prisão perpétua por abuso sexual de seus próprios filhos, embora jurasse inocência. Investigações mais recentes revelaram que o chefe do Departamento de Polícia, com a ajuda de outro policial, fabricou provas contra Spencer, porque tinha um caso amoroso com a mulher dele e queria tirá-lo do caminho. Comprovado o erro judicial, Spencer foi libertado.
Quase que ao mesmo tempo, a “National Registry of Exonerations (NRE)”, organização da Faculdade de Direito da Universidade de Michigan, divulgou seu relatório anual sobre a libertação de presos inocentes nos EUA em 2013. Só neste ano foram libertados 87 presos, que passaram, inocentes, de três a mais de 20 anos na cadeia – com a ressalva de que nem todos os inocentes têm a mesma sorte. Segundo o advogado-chefe da “Legal Aid Society” Steven Banks, esses dados mostram a “ponta do iceberg”.
Das 87 condenações erradas, 27 (cerca de um terço) se referem a casos em que, como se descobriu posteriormente, não ocorreu crime algum; 40 casos se referem a pessoas condenadas por homicídio que não cometeram — incluindo a libertação de um preso no corredor da morte; 18 casos se referem a falsas acusações de estupro ou outros tipos de abuso sexual.
De todas as condenações erradas, 17% ocorreram porque os réus, sob pressão, fizeram confissões falsas. A origem das condenações erradas foi encontrada, principalmente, nos seguintes fatores (muitos deles, concomitantes): falso testemunho ou falsa acusação: 56%; má conduta policial: 46%; identificação errada de testemunha: 38%.
A instituição começou a pesquisar processos de libertação de inocentes nos EUA, com a ajuda do “Center on Wrongful Convictions” da Faculdade de Direito da Universidade Northwestern, que se dedica a investigar erros judiciais, em 2012. Desde então, levantou 1.304 casos de libertação de inocentes, dos quais 1.281 libertações, que ocorreram de 1989 a 2012, foram estudadas mais detalhadamente. Com os dados obtidos, a instituição produziu o quadro abaixo, que mostra o tipo de crime que o réu não cometeu e os fatores que concorreram, muitas vezes de forma concomitante, para a condenação – com base em cálculos percentuais:
Das 1.281 pessoas libertadas, 81% foram condenadas por tribunais do júri e 7% por juiz singular. O restante sequer foi a julgamento, porque se declararam culpados em acordo com a Promotoria, para pegar penas mais leves, mesmo sendo inocentes. Desse total, 28% foram inocentadas com a ajuda de exames de DNA e as 78% restantes por investigações posteriores, no decorrer dos anos, sem a ajuda de exame de DNA. Somados os anos que cada um passou na cadeia, apesar de inocente, a média seria de 10 anos para cada pessoa.
Das pessoas libertadas, 1.184 (92%) são homens e 97 (8%), mulheres; 598 (47%) são negros, 513 (40%), são brancos, 513 (11%) são hispano-descendentes; e 23 (2%) são nativo-americanos ou asiáticos.
A instituição está pesquisando libertações de vítimas de erros judiciais a partir de 1989, com base no pressuposto de que foi a partir desse ano que os exames de DNA entraram em evidência, como forma de provar a inocência de condenados à prisão. Mas o levantamento tem mostrado que o volume de libertações, graças a exames de DNA, vem caindo ano a ano. A explicação é simples: progressivamente, os tribunais estão recorrendo mais a exames de DNA como elemento de provas, de forma que mais réus são inocentados ainda no julgamento.
Outra tendência evidenciada pelo levantamento é a de que cada vez mais promotores, juízes e até mesmo policiais são responsáveis por investigações, análises de processos e produção de provas, que resultam na libertação de condenados por erro judicial.
Em 2013, por exemplo, 33 (38%) das 87 libertações se deveram a esforços investigativos dessas autoridades. O restante é resultado do trabalho de advogados, investigadores particulares e de instituições que se dedicam a provar a inocência de condenados e, obviamente, a buscar erros judiciais.
Em Nova York, o promotor Kenneth Thompson foi eleito, este ano, procurador-geral do Distrito de Brooklyn, graças a sua bem-sucedida promessa eleitoral de investigar erros judiciais em sua jurisdição. Terá muito trabalho, porque são muitos. Mas a gota d’água foi a libertação de dois prisioneiros que passaram mais de 20 anos atrás das grades, condenados por matar a própria mãe e a irmã, quando um tinha 18 anos e o outro 15. DNA obtido na unha da mãe foi encontrado na investigação de outro crime, quando os dois já estavam presos há anos.