Categories: Preconceito social

Sem banho de piscina para babás

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No Jockey, faz um mês que banho-de-piscina está proibido para babás. Em vigor desde janeiro, lei 6.660 será aplicada contra clubes que barrarem acompanhantes não-uniformizados

Por Daniel Feldman Israel*, para Pragmatismo Político

“Sou contrária à lei, porque é uma intervenção inconstitucional nas regras de funcionamento dos clubes”, afirmou Karla Pinaud, presidenta no Sindicato dos Clubes do Estado do Rio de Janeiro), em entrevista no programa “Tema Livre”. O programa é transmitido diariamente pela Rádio Nacional AM, e essa edição foi ao ar no dia 16/1.

A lei a que a sindicalista se refere, é a de nº 6.660, sancionada dez dias antes pelo governador Sérgio Cabral Filho. Deputados estaduais, Gilberto Palmares (PT) e Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB) são os autores da medida, que vale para todo o estado do Rio de Janeiro. Desde que foi sancionada pelo governador, passa a ser “proibido aos clubes a exigência de uniforme para ingresso em suas dependências”, como expresso no art. 1º do texto. Como se viu em um episódio recente, que completou um mês na terça-feira (18/2), toda legislação para fiscalizar relações sociais, dentro de locais privados, também depende do comprometimento da sociedade.

Quase duas semanas após a lei entrar em vigor, uma associada do Jockey Club Brasileiro (JCB) se rebelou contra duas babás que tomavam banho na piscina do clube. Embora sem muita repercussão, o colunista Ancelmo Gois registrou em nota o fato, sob o título “Revolta das madames”, no jornal carioca O Globo: “Uma madame não gostou e esbravejou com diretores. Ficou decidido que babá não pode entrar na piscina.”.

Construído em 1868, a partir da associação entre pessoas interessadas em corridas de cavalos, o clube é famoso por sediar, desde 1933, o Grande Prêmio Brasil (a principal competição no turfe nacional) e a vasta área que ocupa, localizada entre os bairros da Gávea, Jardim Botânico e Lagoa. Está cercado por dois dos mais belos espaços para lazer e passeio ao ar livre na cidade –o Parque Jardim Botânico e a Lagoa Rodrigo de Freitas.

Mas no JCB é preciso pagar um preço altíssimo para desfrutar de tudo o que o clube tem e pode oferecer. Na opinião da antropóloga Julia O’Donnell, que pesquisa as relações humanas em ambientes como a praia, esta questão se justifica por um “desejo de exclusivismo”. “O clube é um reduto de exclusivismo, onde se paga para estar entre “iguais”. É apenas o desejo de exclusivismo que justifica a própria existência do clube. Mas o caso recente de clubes exigindo que babás circulassem apenas uniformizadas mostra que começa a haver reação a isso. A Justiça estadual determinou que a exigência é discriminatória sim”, afirma ela, que trabalha na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e é autora do livro A invenção de Copacabana (Ed. Zahar).

Até o próximo domingo (23), o Jockey será palco para o Rio Open de Tênis, mais um evento que reforça a ideia em voga no Rio de Janeiro dos últimos anos: cidade-espetáculo, atraente para investimentos públicos e privados de todo tipo. Em março, estará na cidade o empresário Donald Trump, que vem conhecer o complexo comercial que está sendo construído em seu nome, na zona portuária.

Jockey Club não se pronuncia

O sociólogo e radialista Marcos Romão, outro entrevistado durante o programa na Rádio Nacional, percebe a relevância social dessa lei. “Esta é uma forma positiva de passar a discutir, na sociedade, que poder é esse que tem o associado de um clube de tratar mal o outro”, opina ele. “Tratar mal o outro significa, também, mandar usar um uniforme.”.

E foi graças às denúncias de inúmeras pessoas incomodadas com tais violações, que, em 2013, o Ministério Público estadual (MP-RJ) instaurou inquérito civil contra quatro clubes que têm sede na zona sul do Rio: além do próprio Jockey, Caiçaras, Naval e Paissandu foram citados na ação. A decisão do MP-RJ levou à redação de uma lei específica, conforme explica Gilberto Palmares em sua página oficial na Internet.

Cética com relação às mudanças previstas na PEC 66 (PEC dos Trabalhadores Domésticos), Carli Maria dos Santos, presidenta no Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município do Rio de Janeiro (STD-RJ), contesta a medida adotada pelo JCB. “Se eu sou responsável por uma criança, não posso deixá-la sozinha na piscina. Além disso, pai e mãe precisam conversar com os clubes. Porque se algo ocorrer com a criança, como a babá vai se responsabilizar por isso? É uma incoerência”, opina ela, que até o contato para a produção desta reportagem não sabia do ocorrido no Jockey.

Sobre a aparente falta de interesse no caso das famílias para as quais trabalham as duas babás, afirma a também antropóloga Liane Braga da Silveira, “há uma tensão entre as ideias estranho e familiar, e porque é familiar, torna-se tão familiar que é invisível, e, portanto, perfeita. Acho que esse deslizamento de termos pode traduzir parte da ambigüidade dessas relações. Desse modo, borrando, ofuscando uma prática de relações entre camadas sociais distintas”. Pesquisadora na Fiocruz e autora do livro (ainda não lançado) Como se fosse da família: a relação (in)tensa entre mães e babás (Ed. E-Papers), ela acredita que a PEC 66 promoverá “diversas mudanças”. “Mas, a meu ver, embora as leis imponham novos princípios, isso não significa transformação. Transformação implica em mudança de mentalidade, de valores, de cultura de uma sociedade.”.

Marcos Romão deixa um desabafo, oportuno num momento de manifestações, e as pessoas que moram na cidade, têm a chance de repensar todo tipo de prática política. “Eu estou de saco cheio de há 40 anos denunciar casos de racismo. Nos últimos anos, tem sido insuportável, para negras e negros lidarmos com pessoas que nos ofendem nas ruas, pela Internet.”.

Responsável pela assessoria de imprensa do Jockey, a Monte Castelo prometeu esclarecer a posição oficial do clube com o envio de uma nota. No entanto, até o fechamento desta edição, ninguém na empresa tinha respondido. Também foi tentado o contato com o Sindicato dos Clubes do Estado do Rio de Janeiro, mas os números de telefone só davam ocupado ou estavam errados.

*Daniel Feldman Israel é jornalista