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Brasil, Rússia e Montesquieu, tudo junto e misturado

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Qualquer que seja a origem da coragem russa é impossível comparar a conduta política daquele povo à hesitação temerosa dos brasileiros

A despeito das ameaças ocidentais, o povo da Criméia decidiu unir-se à Federação Russa. E a Rússia, que contra si tem apontados não só os mísseis econômicos como os mísseis nucleares dos EUA, não recuou: decidiu incorporar ao seu território a Criméia reconhecendo a validade da decisão tomada pelo povo da região.

Podemos não gostar dos russos ou abominar a decisão do povo da Criméia, podemos até temer as conseqüências de um conflito aberto entre a Rússia e os EUA. Mas uma coisa nós temos que admitir: é inquestionável a coragem dos eslavos. Mesmo sob pressão econômica e ameaça militar eles se mostrarem resolutos na Criméia e na Rússia.

O que ocorreu esta semana parece dar razão às palavras de Montesquieu:

“Já dissemos que o muito calor debilitava a força e a coragem dos homens; e que havia nos climas frios, certa força do corpo e do espírito que tornava os homens capazes de ações longas, duras, grandes e ousadas. Isso se vê não só de nação para nação, mas também no mesmo país, de uma parte para outra. Os povos do norte da China são mais corajosos que os do sul; os povos do sul da Coréia não o são tanto quanto os do norte.

Não é de espantar, pois, que a covardia dos povos de clima quente os tenha quase sempre tornado escravos e que a coragem dos povos de climas frios os tenha mantido livres. Esse é um efeito que deriva de uma causa natural.

Isso também se mostrou verdadeiro na América:  os impérios despóticos do México e do Peru encontravam-se perto do equador, e quase todos os pequenos povos livres estavam e anda estão perto dos pólos.”  (DO ESPÍRITO DAS LEIS, Livro XVII, Capítulo II, Martin Claret, 2ª reimpressão 2011, p. 283)

Qualquer que seja a origem da coragem russa é impossível comparar a conduta política daquele povo à hesitação temerosa dos brasileiros. No exato momento em que a Rússia se afirma diante do mundo aceitando quaisquer conseqüências econômicas e militares de sua decisão de adotar a Criméia, no Brasil não conseguimos resolver os dilemas políticos impostos por uma ditadura que começou há 50 anos e findou há quase 30 anos. Nenhum militar envolvido em torturas e execuções foi condenado e preso, muitos deles seguem fazendo ameaças privadas e públicas ao regime democrático. E quando eles rangem os dentes provocam temor nas principais lideranças partidárias.

O urso é um símbolo muito venerado entre os russos. O animal reflete algumas das características dos eslavos, como a disposição para aceitar os riscos de uma ação livre, ousada e perigosa:

“Desde a pré-história, como provam a pintura rupestre, o urso desempenha um papel importante nos cultos. Foi venerado sobretudo pelos povos nórdicos como ser poderoso e semelhante ao homem; considerado muitas vezes o mediador entre o céu e a terra, sendo também, para muitos povos, o ancestral da espécie humana. De acordo com as tradições do norte da Europa, não era o leão o rei dos animais, e sim o urso. Para os celtas, o urso associava-se aos guerreiros e aos ofícios de guerra. Na Sibéria e no Alasca, ele é relacionado com a Lua, porque, por ser animal hibernante, também ‘vai e vem’ regularmente. Na iconografia medieval, em relação hibernação, ele era um símbolo da velhice e da morte do homem. Na China, o urso é um símbolo masculino, e está associado ao princípio yang. Os alquimistas viam no urso um símbolo da escuridão e do mistério da matéria primordial. Na mitologia grega, é o acompanhante ou a encarnação de Ártemis. No simbolismo cristão, aparece quase sempre como um animal perigoso, eventualmente representado pelo demônio; às vezes simboliza também a gula, um dos pecados capitais. Entretanto, encontrava-se por vezes uma ursa como símbolo do parto da Virgem, pois afirmava-se que ela dava forma aos seus filhos lambendo-os. C.G. Jung vê no urso um símbolo dos aspectos perigosos do inconsciente.” (DICIONÁRIO DE SÍMBOLOS, Herder Lexikon, Cultrix, p. 199/200).

Ao contrário dos russos, os brasileiros não veneram simbolicamente nenhum animal específico. Mas se o fizéssemos, provavelmente nosso ícone zoológico representaria os aspectos mais obscuros da personalidade dos brasileiros, como este medo pavor privado e público que temos de enfrentar um punhado de criminosos fardados envelhecidos. Os argentinos meteram quase todos os criminosos da sua Ditadura na prisão. O clima da Argentina é mais frio que o do Brasil e a comparação entre nós e los hermanos também parece favorecer a tese de Montesquieu.

A ciência parece ter superado as crenças que Montesquieu julgou verdadeiras no século XVIII. Cá, porém, as “verdades climático-comportamentais enunciadas” no livro do autor francês continuam a produzir estragos. Nós continuamos a nos comportar com medo e hesitação diante dos inimigos da democracia. Mas eles, todavia, se comportam como se fossem jovens eslavos montados num urso selvagem. Apesar de envelhecidos, sub-representados no Congresso e economicamente impotentes, os policiais e militares que rosnam para ficar impunes demonstram uma coragem admirável. Ao invés de nos encolher diante destes espantalhos nós deveríamos espelhá-los para liquidar de uma vez por todas esta fatura, metendo-os todos na prisão (que é onde eles deveriam estar apodrecendo há décadas).

Felipe de Oliveira Ribeiro, GGN