A ditadura do corpo ideal e o preconceito velado: A beleza é tão somente uma contemplação subjetiva e relativa, não deveria ser enquadrada em padrões que excluem e discriminam
“Com a estética, o sujeito entra em uma relação sensível com o mundo que se diferencia conscientemente da natureza objetiva concebida a partir da revolução copernicana. A subjetividade torna-se então, por meio do sentimento representado, o fundamento de uma presença estética de uma natureza”. Rolf Kuhn¹.
A palavra estética refere-se à cognição pelos sentidos, ou seja, a “compreensão pelos sentidos”. É um ramo da filosofia que perpassa e ultrapassa o campo visual já que compreende um conjunto de sensações que refletem a percepção da beleza. Além das avaliações e julgamentos do que é o belo, contempla-se também a emoção que ela suscita nos seres humanos. Essa concepção está presente especialmente na arte, mas diz respeito a toda a natureza. Dessa forma, infere-se uma questão: “o que é a beleza?” e com ela, o chavão de que gosto não se discute.
É claro que não se pode definir objetivamente a beleza, visto que ela não é uma propriedade imutável que se atribui ou não aos objetos, mas uma sensação própria do sujeito que a percebe, ajustada aos seus valores pessoais, ainda que tais valores estejam inevitavelmente subordinados aos valores culturais e histórico-sociais de determinada sociedade em dado tempo histórico. A beleza é relativa, não há como negar, mas essa relativização é profundamente ofuscada pela busca de uma essência ideal, um padrão de beleza.
As transformações dos padrões de beleza do corpo feminino ao longo do tempo marcaram a evolução de diferentes visões sociais acerca do modelo estético que deveria ser incorporado pelas mulheres. A forma como as mulheres eram retratadas no período colonial, por exemplo, distancia-se bastante do modelo buscado atualmente. Além desse processo corrente, isso evidencia também que os padrões são produtos de uma cultura.
Ideal de beleza ao longo do tempo
O corpo da mulher durante o período colonial era tido como dentro dos padrões de beleza ao apresentar um aspecto saudável, simbolizado pela aparência rechonchuda, ou seja, quanto mais gorda a mulher fosse, mais bonita ela era considerada, isso porque o perfil untuoso do corpo remetia a um corpo bem nutrido e ao seu volume era atribuída uma visão de saúde e vigor. Já durante a antiguidade clássica, o ideal grego da beleza era outro, com base em uma construção intelectual artística, os gregos valiam-se da perfeição e equilíbrio das formas, bem como a harmonia e a proporcionalidade de todas as medidas, é quando surge o nu feminino e a valorização do movimento. Para a antiga sociedade Egípcia, a juventude era muito valorizada bem como o corpo esbelto e os traços finos e alongados.
Durante o século XIX, a forma mais avantajada ganha destaque novamente na classe da burguesia, mulheres gordas e de semblantes corados remetiam a riqueza e ostentação. Com a revolução industrial esse modelo estético foi resgatado do período renascentista, o uso de espartilhos também estava presente com força nessa época, e as mulheres os utilizavam cada vez mais apertados. O século XX recupera o ideal de boa forma, marcado, entre outros, pela emancipação feminina.
Após o fim da segunda guerra, o corpo feminino curvilíneo, valorizando quadris e seios ganha ênfase. A mulher dos anos 50 é mais sofisticada, adornada e a beleza é de grande importância e preocupação social, bem como o uso de joias, cosméticos, salto alto, tintura para cabelo, entre outros assessórios. Os anos 60 foram marcados pelos movimentos de contracultura e o movimento hippie foi o precursor dos novos perfis que surgiram na época, tais como o modelo estético, que valorizou um corpo de aspecto adolescente, sem muitas curvas. Com a consolidação do movimento hippie, nos anos 70, os cabelos eram longos, crespos e armados, maquiagem forte nos olhos e muito blush no rosto. Enquanto os anos 80 pregaram o exagero, um estilo de extravagâncias e excessos, os anos 90 trouxeram a naturalidade, a simplicidade.
Durante a década de 90 e inicio dos anos 2000, a ditadura da magreza parece se tornar mais hegemônica, talvez como consequência da expansão da comunicação e da imagem como símbolo. Ser magra torna-se uma verdadeira obsessão, mulheres altas e magras consagram o novo modelo estético. Alcançar esse padrão torna-se um esforço com a utilização de dietas malucas e a busca cada vez mais árdua pelo corpo “ideal”, a bulimia e a anorexia passam a ser frequentes.
Atualmente, o padrão de beleza feminino estampado nas imagens midiáticas é: corpo magro, malhado, seios grandes, bumbum perfeito, pernas torneadas e barriga chapada. Em nome desse corpo ideal, as academias estão lotadas e as cirurgias plásticas para colocar silicone e lipoaspirações são cada vez mais comuns.
Baixa, gorda e linda?
Desde sempre existe essa pressão social em cima das mulheres e seus corpos. Em todos os lugares é possível captar essa imposição e padronização inexplicável que se faz do corpo feminino, nas revistas, nos outdoors, nas propagandas, nos filmes, nas novelas, nas passarelas. Sempre encontramos mulheres com corpos “perfeitos” ou o famoso ‘corpo violão’, corpo esse que é símbolo de saúde, de sensualidade, de beleza, tido como único que atrai e que é aceito. Esses paradigmas ditam muito mais do que como deve ser o corpo feminino como também a roupa que combina com qual tipo de corpo, o sapato, o corte de cabelo adequado para as altas, para as baixas… A questão é: por que ser baixa, gorda ou não ter um corpo violão faz você não ser considerada uma mulher linda?
Você não vai encontrar uma mulher de estatura mediana, com alguns quilinhos a mais em um desfile de moda ou estampada em outdoors usando um biquíni, mas por que isso? A maioria das mulheres não são como os padrões ditam, muito pelo contrário, mas ainda assim um modelo estético adotado pela minoria é considerado padrão, por quê? Por que não fazem desfiles com mulheres reais? As mulheres vêm em todas as formas e tamanhos, são diferentes, lindas de formas diversas, não há motivo nenhum para mudarem seus corpos ou seus estilos para se adaptarem a um padrão que nem ao menos faz sentido.
“Há uma corrente de teóricos que acreditam que, com tantos avanços femininos, a ditadura do corpo ideal é uma forma de ainda deter a mulher. E faz sentido, já que a maior parte acaba cedendo à pressão”, afirma a psicóloga Marjorie Vicente em matéria do portal UOL. O cinema, a TV e a publicidade não enxergam a mulher gorda como qualquer outra, não exploram sua personalidade sem levar em consideração o físico ou apelar para o humor. A mídia age como se ser gorda não fosse o natural (não somente gorda, como ser baixinha, ter um corpo sem curvas ou uma deficiência física). O mercado é cruel com quem está fora dos padrões e a sociedade também.
Em uma matéria feita na revista Marie Claire, chamada: “Por que o mundo odeia as gordas”; uma pesquisa realizada com as leitoras da revista revela dados estatísticos que evidenciam o preconceito. Das respostas, 66% admitiram já ter feito um comentário maldoso ao ver uma mulher gorda usando biquíni; 58% já se sentiram secretamente felizes porque a ‘ex’ do namorado engordou muito; 52% acham que é pior engordar 15 quilos do que reduzir o salário em 30%; 37% ficam incomodadas vendo uma mulher gorda comer hambúrguer com batatas fritas; 36% não iriam a um médico de regime que fosse gordo; 21% acreditam que as gordas são preguiçosas; 21% imaginam que, se um bonitão está com uma mulher gorda, é porque existem outros interesses; 18% dizem que uma pessoa muito gorda deveria pagar por dois assentos nos aviões.
As mulheres gordas sofrem discriminação diariamente, nos mais simples eventos cotidianos. Quantas vezes já não ouvimos alguém dizer: “ela é linda de rosto” ou “ela é bonita, mas é gorda” ou ainda: “se emagrecesse ficaria linda”. Por que uma mulher não pode ser linda sendo gorda? Por que ser gorda não é natural? Por que estar fora dos padrões não é bonito? A sociedade está alienada, não consegue abrir a mente e ver que a mulher não precisa seguir padrões para ser considerada bonita. Ser gorda não impede uma mulher de ser linda e atraente, mas a mulher gorda sofre extremamente com tal realidade, desde a dificuldade que enfrenta para encontrar roupas no seu tamanho até a competição com uma magra por um emprego. É vergonhoso e infeliz o quão cruel a sociedade pode ser com quem foge aos padrões de beleza. Todos os dias, diferentes mulheres que não se encaixam nos padrões, sofrem preconceitos, são vitimas de insultos e levam desvantagem somente por não estarem na “medida certa”.
Em 2011, o artista Bakalia criou uma Barbie plus size. Muitas marcas de roupas e revistas aderiram ao polêmico modelo plus size, lançando campanhas com modelos gordinhas e criando roupas especiais para a maioria das mulheres. Essa inovação gerou controvérsias e muitas pessoas rejeitaram a criação de Bakalia, a Barbie gordinha não agradou todo mundo e recebeu duras criticas, tais quais: “ninguém é gordo naturalmente, isso mandaria uma mensagem para as meninas de que é OK não ser saudável”;“Barbie não precisa de queixo duplo. Você pode ser plus size sem ter esse queixo”; “nem gorda, nem muito magra, por uma Barbie saudável”. É um grande equivoco achar que “só é gorda quem quer”, emagrecer é um processo que depende de cada organismo e de outros fatores externos que influenciam. Ser magra não significa ter um ótimo atestado de saúde.
As mulheres são diferentes, podem ser altas, baixas, gordas, magras, de todas as formas e tamanhos e não há nada de errado em fugir do padrão, assim como segui-lo. Toda mulher deveria simplesmente amar seu corpo. A beleza é tão somente uma contemplação subjetiva e relativa, não deveria ser enquadrada em padrões que excluem e discriminam. Pode ser clichê, mas é legítimo: bonita é ser você.
Amanda Nunes, Blogueiras Feministas
Referência
¹ KUHN, Rolf. Em: HUISMAN, Denis (dir.). Dicionário dos filósofos. 2 v. São Paulo: Martins Fontes, 2001.p. 123