Idosos dos EUA invadem "Los Algodones" em busca de dentistas e sexo
Conheça a cidade que foi invadida por idosos norte-americanos em busca de dentistas, remédios e sexo
Comunidade mexicana é meca de idosos norte-americanos em busca de dentistas e sexo. “Los Algodones”, na fronteira com a Califórnia, oferece medicamentos baratos e bordéis desde os anos 60
Na reserva da tribo Quechan, fica a última construção na rodovia 186 antes do posto de migração para cruzar a fronteira entre a Califórnia, nos Estados Unidos, e o México. No camping de Sleepy Hollow RV Park, ficam hospedados viajantes snowbirds (“pássaros da neve”), que assim como as aves que emprestam o nome, são migrantes sazonais que vêm do Canadá e dos territórios mais ao norte dos EUA assim que começa o longo inverno.
Eles chegam a Quechan em caravanas no final de novembro e ficam até que o frio acabe, em abril, nos mais de 30 parques equipados para casas sobre rodas. Alguns são mais luxuosos, com campos de golfe e piscinas. Outros, como o Sleepy Hollow, são mais simples.
No início de dezembro, do outro lado da fronteira, se festeja a chegada dos snowbirds com a temporada turística em Los Algodones, o “povoado dos dentistas”. “Antes, havia mais bordéis que casas”, conta Josué Guillén, dentista do estúdio Tracey’s Dental, um dos mais de 400 que trabalham na localidade.
“O povoado era conhecido, desde a época de Juárez, como um posto de passagem, o mais antigo do município de San Luís Río Colorado ou mesmo de Tijuana. As pessoas, durante décadas, vinham a Los Algodones por causa de seus bordéis e bares. Agora os idosos vêm cuidar dos dentes. Aqui, um tratamento pode custar US$ 3,5 mil, enquanto nos EUA te cobram US$ 12 mil”, diz Guillén.
Logo na entrada de Los Algodones, fica a farmácia Purple. Em um grande letreiro luminoso, os nomes dos medicamentos mais conhecidos piscam em vermelho: Ibuprofeno, US$ 3,99, Diovan, US$ 20, Norvasc, US$ 4,5 e, Viagra, a US$ 7,99. Já nas primeiras horas da manhã há um grande movimento de homens de barba e cabelos brancos em cadeiras de rodas motorizadas que viajam a toda velocidade.
Acima dos 60 anos, alguns vestem uma espécie de uniforme: camisas com estampa havaiana, tênis da marca New Balance e bonés de baseball com as frases “I love Alaska” ou “Sweet home Alabama”. “Os turistas são sagrados”, afirma com ênfase o doutor Jesús R. Medina. Anestesista e presidente do comitê turístico de Los Algodones, ele conta que nessa fronteira pouca coisa acontece e por isso os “pássaros da neve” são tão valorizados: “cuidamos deles como se fossem nossos vovozinhos.”
O fluxo turístico de aposentados dos EUA e Canadá começou no final dos anos 60, quando alguns pioneiros, entre os quais o doutor Bernardo Magaña e seu cunhado, o doutor Jesús Medina, pai do anestesista, abriram os primeiros consultórios. Magaña, em sua sala, forrada de mármore branco do chão ao teto, conta que chegou em 1969, com o diploma da UNAM (Universidade Nacional Autônoma do México) nos braços. “Sabia que havia possíveis clientes, por causa dos prostíbulos. Não era possível andar pela rua sem dar de cara com um bêbado”, lembra.
A transformação em Los Algodones foi gradual e levou tempo. “Eu mesmo, como delegado municipal, fechei bordéis. Não foi fácil, sobretudo porque nem eu via as potencialidades do lugar. Simplesmente queria ter pacientes”, afirma.
Magaña fica quase escondido atrás de sua grande mesa de pedra. Magro, ele não para de se movimentar durante a conversa, pondo em primeiro plano um relógio Rolex de ouro. Ele olha irônico e diz: “construímos um pequeno milagre aqui”. De fato, em cada canto do lugar, há algum dentista trabalhando. Além da clínica odontológica, Magaña fundou o único colégio que forma dentistas em Los Algodones. Entre as suas propriedades está o cultivo do algodão, vendido até no Japão.
No começo da tarde, uma fila de carros se forma para cruzar a entrada da fronteira, que fecha às 22h. Ainda há tempo para mais alguns coquetéis nos bares do centro, todos com música ao vivo desde a manhã. Os clubes de strip-tease também estão abertos e cheios. Dentro de um deles, o Hawaii, norte-americanos aposentados com margaritas nas mãos se divertem.
Uriel trabalha há 17 anos ali e, a partir de seu escritório minúsculo, cheio de caixas de cerveja, observa por meio de um monitor todos os movimentos do bar. “De dia, a maioria é idosa. Eles adoram as garotas”, conta, enquanto mostra uma imagem de uma menina sentando no colo de um senhor. Depois das consultas, diz, os clientes passam as horas de espera dos tratamentos no bordel. “Chegam, pedem sua cerveja, agarram uma garota, transam e vão embora.”
Lado dos EUA
Do lado norte-americano fica o território Quechan, tribo que, como se lê em sua página na internet, era “conhecida por seus guerreiros e comerciantes”. Hoje, seus membros ganham a vida na agricultura e nos cassinos. Situada na Algodones Road, a um quilômetro da fronteira, está a entrada do Sleepy Hollow RV Park.
Do lado de fora de um trailer bastante modesto, sentados em umas cadeiras, estão dois homens e uma mulher conversando. Murray e Ada Reed são canadenses e Carrol é do Estado norte-americano de Montana. Os três vêm desde 1992 passar o inverno em Sleepy Hollow. Este ano, Carrol perdeu sua esposa e é a primeira vez que viaja sozinho.
“Quase todos viemos sozinhos, porque os filhos têm suas vidas”, diz Carrol com certa melancolia na voz. “Nós, idosos, ficamos sozinhos, e além disso em lugares frios. Então, cada um se organiza e vem para o sul para socializar com outros, porque nossas famílias já não precisam de nós”, conta.
No dia seguinte, a fronteira vira um rio de gente que chega de carro, caminhando, nos onipresentes carrinhos elétricos. Desde 08h, o povoado de Los Algodones se inunda de cabeças brancas, caras sorridentes em busca de festa. Uma mesa no meio do caminho serve margaritas. Os “pássaros da neve” se amontoam ao redor dos três jovens que, em uma velocidade impressionante, preparam coquetéis sem parar.
Na frente da farmácia Purple, duas garotas distribuem pacotes de medicamentos. Dezenas de pessoas se aproximam com bolsas, cestas e mochilas e pegam sem olhar de que se trata. No palco, se preparam grupos de dança tradicional mexicana. O frenesi de remédios, bebida e música é geral. Já na tarde, a fila para voltar já está grande. Muitos entram no Hawaii pela última vez. Outros, pacientemente enfileirados, carregam em sacolinhas as caixas com comprimidos e outras, com artesanato local, tentando vencer a única verdadeira doença que abunda entre esses turista: a solidão.
Federico Mastrogiovanni, Opera Mundi