Pedras e a história na mão. “Jovens” da foto histórica de 1967 na escola de direito da UFMG são localizados; eles ainda lutam pelo Brasil
Por trás da improvisada invasão do prédio da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1967, no auge da ditadura militar, estão cinco estudantes – quatro deles vindos de Teófilo Otoni para Belo Horizonte – com o sonho comum de lutar por um país melhor. Mais do que líderes dos movimentos estudantis ocorridos naquele período – e colegas da hoje presidente da República, Dilma Rousseff –, Nilmário Miranda, Leovegildo Pereira Leal, Carlos Augusto de Morais, Edson Gonçalves Soares e Oldack de Miranda protagonizaram uma das fotos-símbolo da resistência ao golpe militar.
A partir da imagem histórica – hoje estampada em um mural da mesma Faculdade de Direito – o jornal O Tempo localizou e reuniu os militantes no mesmo local onde no passado eles se tornaram “heróis da resistência”. Apesar de o fato ter sido registrado há quase 50 anos, os hoje “sessentões” de cabeça branca ainda guardam os detalhes do episódio que acabou marcando a vida de cada um deles.
Quem passa hoje pelo prédio da escola encontra um cenário diferente do visto há 47 anos pelo grupo de estudantes. No local onde se vê um grande edifício, naquele ano havia pedras e britas. O pilotis, que agora conta com árvores e grades, era apenas um canteiro de obras de uma reforma na escola.
Naquele dia, a invasão do edifício, na avenida João Pinheiro (centro), não foi planejada, como conta o hoje deputado federal Nilmário Miranda. A ocupação da sede da escola de direito foi a forma encontrada por quase 400 estudantes para escapar da prisão após participarem de uma manifestação na praça Afonso Arinos.
“Naquele dia tinha mais uma passeata de protesto contra a ditadura. Na época havia várias por semana. Eram 11h quando fomos surpreendidos pelo cerco policial. Por isso corremos todos para a faculdade”, relembra Nilmário. Para evitar a prisão em massa, os estudantes usaram os materiais de construção que encontraram como armas. “Quando a repressão decidiu invadir, choveram pedras”, ressalta o ex-integrante da Polop.
Com o cerco dos militares, ninguém podia entrar nem sair. E, como a manifestação ocorreu sem planejamento, horas após a entrada no prédio começaram os problemas. Para tentar acabar logo com o ato, a resistência deu início a uma “estratégia de guerra”, segundo os próprios estudantes. Começaram cortando a luz e, em seguida, acabaram com a água.
“O que pouca gente sabe é que o edifício tinha uma entrada secreta. Vendo a nossa situação, algumas pessoas, mães mesmo, levaram escondido para a gente água e comida, o que permitiu que a gente resistisse por mais tempo”, relembra Leovegildo. Em um ato um tanto ousado, Leô, como é conhecido, diz que chegou a sair escondido do local para buscar “armamento”. “Saímos para buscar coquetel- molotov. Não tínhamos levado porque não planejávamos usar. Mas os militares estavam preparados para um enfrentamento”, explica. Não por acaso, na imagem histórica, o jornalista aparece com as mãos para trás. “Eu pedi aos meus amigos que se afastassem dali, pois vi um militar usando arma de fogo. Me lembro até hoje da aparência dele”. A polícia respondeu com bombas de gás. E, para evitar a invasão, os estudantes fizeram barricada nas portas com móveis e carteiras das salas de aula.
Diferentemente do que foi registrado em outros momentos históricos de resistência, na Faculdade de Direito ninguém foi preso nem saiu machucado. Tudo graças à participação direta da reitoria da universidade na negociação com os militares. “Delegamos a alguns companheiros a negociação com a reitoria. Eles ficavam conversando enquanto a gente fazia a guarda. Deixamos o local por volta de três horas da manhã, e todo mundo estava a salvo”, ressalta Edson Gonçalves.
Uma barreira foi montada para a desocupação do prédio. Dali, já de madrugada, os cinco amigos se dispersaram pela avenida Afonso Pena. “Nos espalhamos pela noite adentro”, relembra Oldack.
Dali em diante, os amigos seguiram na luta, juntos, por mais um ano. Depois, começaram as prisões e a clandestinidade os afastou. A foto histórica, porém, só seria descoberta quase 40 anos mais tarde. “Soube que entramos para a história quando a vi estampada na carteirinha de estudante da UNE. Nos sentimos heroicos, como se tivéssemos salvando o Brasil”, lembra Leô, emocionado. A reportagem não localizou Carlos Augusto de Morais.
Isabella Lacerda, O Tempo
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