Praticantes de “encoxadas” se espalham e marcam até “rolezinhos”
Sites que exaltam “encoxadas” se espalham e praticantes marcam até “rolezinhos”. Violência é descrita com detalhes em redes sociais, blogs e sites; fotos também são divulgadas
Utilizar transporte público lotado pode ser uma experiência desagradável para muitas mulheres. Não são incomuns os casos de passageiras que sofrem abuso sexual. Mas esta violência nem sempre fica restrita a ônibus, trens e metrôs. Uma busca rápida pela internet revela que a prática é exaltada em redes sociais, sites e blogs. Sem pudor ou constrangimento, os “encoxadores”, como se autodenominam, compartilham experiências, marcam encontros e trocam imagens das vítimas e relatos do que muitas vezes chamam de “brincadeira”.
As histórias, que vêm de várias partes do País, chamam atenção pela quantidade de detalhes e descortinam a certeza da impunidade. Em uma das páginas no Facebook, um homem, recém-aceito em um grupo do tipo, sugere um “rolezinho da encoxada”.
— Bom dia, muito obrigado por me aceitarem no grupo. Sou um encoxador nato. Quem sabe marcamos um rolezinho da encoxada, né?!
No mesmo grupo, outro integrante, que diz ser de São Paulo, faz uma alerta aos participantes.
— Atenção!!! Venho comunicar, como já havia ouvido falar, mas se confirmou!!!Aí galera que gosta de uma brincadeirinha como eu, no Metrô… Um amigo meu que trabalha lá confirmou que estão mandando homens e mulheres à paisana para pegar encoxadores, e o negócio fica feio depois que tiram do vagão!!! Tomem muito cuidado, volto a dizer, vamos marcar, evita um monte de problemas!!
Em outra página na rede social, que conta com 191 participantes, incluindo mulheres, um usuário deseja “a todos e todas um bom carnaval e um bom encoxamento nos blocos, metrô, trem e aí vai”.
Neste mesmo grupo, o relato de um integrante sobre episódio de abuso contra uma passageira em um coletivo recebe o elogio de um dos participantes: “Buena técnica…”
Já em um grupo do Rio de Janeiro, após descrever minuciosamente como “encoxou” uma mulher, o autor da história garante: “Mais uma vez, digo aqui que meus relatos são todos reais”.
O compartilhamento de experiências na internet pelos abusadores não é algo recente. Na rede social Orkut, é fácil encontrar comunidades do gênero. Uma delas, de Brasília, criada em 2008 e com 730 participantes, estimula abertamente a prática.
Na mesma rede social, é possível encontrar comunidades de repúdio, como “Odeio tarados encoxadores !!!” e “odeio encoxadores!!!!”
Punição
O advogado criminal Marcelo Feller explica que há três possibilidades, do ponto de vista penal, para classificar a forma de agir dos “encoxadores”: estupro, violação sexual mediante fraude e importunação ofensiva ao pudor.
Para ser entendida como estupro, destaca o advogado, a conduta deveria ser marcada por grave ameaça, mesmo que não haja conjunção carnal. A pena varia de seis a dez anos de prisão.
Se a mulher estiver em uma situação em que a livre manifestação de vontade dela seja impedida, a conduta pode ser classificada como violação sexual mediante fraude. A pena vai de dois a seis anos.
— Ela precisa ficar impedida de sair dessa situação. Não há violência, grave ameaça, mas há algum meio que impossibilita a livre manifestação dela.
Neste caso, a interpretação do juiz pode variar, segundo Feller.
— O fato de o ônibus estar lotado impede ou dificulta a livre manifestação de vontade da mulher ou ela pode gritar? Perceba como é tênue.
No caso de uma situação considerada menos grave, o acusado poderá responder por importunação ofensiva ao pudor, que não é um crime, mas uma contravenção penal. Também dependerá da avaliação do magistrado. A pena prevista é de multa de 200 mil Réis até dois contos de Réis, moeda da época em que a lei foi elaborada. Neste caso, seria preciso fazer a conversão para o Real.