‘Miss Reeducanda’ seleciona as mais belas mulheres do sistema prisional. Objetivo da proposta é fazer ressurgir nas mulheres a autoestima e os sonhos que se apagaram desde o momento em que entram no submundo do crime e passam para os presídios
Atualmente, a Paraíba conta com 670 mulheres reeducandas, distribuídas nos municípios de Cajazeiras, Patos, Campina Grande e João Pessoa. Pela primeira vez e em alusão ao mês da mulher, é promovido o concurso ‘Miss Reeducanda’, que teve a final realizada no fim do último mês de março, no auditório do Centro de Ensino da Polícia Militar, em João Pessoa. O objetivo da proposta é selecionar as mais belas mulheres do sistema prisional da Paraíba, entre as 69 participantes, fazendo ressurgir a autoestima e os sonhos, junto à feminilidade delas, que muitas vezes parece se apagar desde o momento em que têm o primeiro contato com o submundo do crime e passam para os presídios.
As reeducandas de todos os presídios do estado participaram do concurso. Foram realizadas etapas eliminatórias, das quais saíram quatro candidatas para as categorias Presidiária (18 a 30 anos), Queen (40 a 50 anos) e Plus Size, para assim disputarem a grande final.
Preparação
Nos bastidores da grande final, era possível perceber o clima de ansiedade e nervosismo. Todas estavam bastante felizes com o momento e surpresas pela quantidade de pessoas que estavam na plateia, muitas delas, familiares que estavam ali para prestigiar a beleza e aplaudir aquelas mulheres, que tiveram o convívio familiar interrompido pela prática delituosa.
Entre alguns retoques na maquiagem e os últimos preparativos com os cabelos, era nítida no olhar das apenadas, a vontade de sentir aquele momento de homenagem e prestígio como um ensaio da liberdade, que aos poucos foi fazendo com que muitas delas compartilhassem um pouco da vida delas, da importância daquele evento e dos seus sonhos que por mais que, muitas vezes pareceram estar esquecidos, continuam vivos em cada uma delas.
Embalada pelo sonho da liberdade, Márcia Félix, 28 anos, cumpre pena no presídio Júlia Maranhão, na Capital paraibana, por envolvimento com tráfico de drogas e é uma das doze mulheres, que chegaram ao evento, adornadas pelos tons de maquiagem que mais pareciam querer enaltecer seus traços femininos, mas que não conseguiram disfarçar o constrangimento de ter que entrar no auditório com algemas, estabelecendo assim, um contraste imediato e sensível aos olhos dos profissionais de imprensa, que nesse momento não ousaram nem um clique.
Condenada a viver por mais de sete anos atrás das grades, Márcia se diz arrependida dos erros que cometeu e já cumpriu dois anos e seis meses da pena. Com os olhos lacrimejando, a finalista da categoria Plus Size, também se revelou confiante quando perguntada sobre a importância daquele concurso para a vida dela.
“Vejo como um grande desafio, pois apesar de estar num lugar como aquele. Apesar da situação que a gente vive, a gente não deve se entregar ao que está vivendo, ao sofrimento, a dificuldade e às lutas. Quando surgiu essa oportunidade eu fui mas, eu não imaginava que eu chegaria à final, mas assim eu vi que eu tinha capacidade, isso só me levantou, me evoluiu. A sensação é maravilhosa; eu nunca tinha sido coroada na minha vida. Me sinto valorizada, vitoriosa e linda.” Disse ela.
Entusiasmada com o concurso, Márcia ainda disse que a família estava na torcida e que também faz parte de outras atividades de ressocialização, participando como uma das vozes do grupo musical gospel Coral Luz, formado há mais de um ano, constituído apenas por presidiárias da unidade prisional onde também ajuda na limpeza para auxiliar na redução da pena.
Ainda em conversas antes do evento, era notória a necessidade que muitas delas tinham, de querer mostrar o que sabiam fazer de melhor, revelando que a criminalidade não tomou o espaço do talento.
Como é o caso de Amanda Brito, 20 anos, mãe de dois filhos, que cumpre pena do presídio do Serrotão, em Campina Grande, a 122 km da Capital e concorreu na categoria Miss Presidiária. A reeducanda, que é mais conhecida na unidade prisional como ‘cara de gato’, possui uma forte semelhança com a cantora internacional Rihanna e diz que decidiu participar do concurso para dar tudo de si, Amanda também mostra o seu gosto pela música, através de um rap que ela mesma compôs na detenção; a letra fala de alguns momentos difíceis na vida da apenada.
Na passarela
Na categoria Presidiária, as finalistas foram Ítala Martins, do município de Cajazeiras, Amanda Brito de Campina Grande, Renata Costa, de João Pessoa e Damiana Silva, de Patos.
Entre as candidatas Queens, as escolhidas para disputar a grande final foram Geralda Lopes, de Cajazeiras, Maria Tavares, de Campina Grande, Marinézia Ferreira, de João Pessoa e Raimunda Mesquita, de Patos.
Para representar as Plus Size, as escolhidas para disputar a final foram Simone Firmino, de Cajazeiras, Fernanda Melo, de Campina Grande, Márcia Félix, de João Pessoa e Joseane Soares, de Patos.
Durante o evento, a plateia parecia surpresa com a alegria daquelas mulheres, que desfilavam esbanjando a alegria manifestada nas poses para as fotos, em meio a um ar descontração bastante atípico no meio prisional. Todas carregavam no rosto não apenas a beleza e as marcas da vida, mas também o sorriso irradiante, que ofuscava os momentos lamentáveis já vividos por elas.
A cada passo dado na passarela era possível ver o público vibrando e escolhendo suas favoritas, quebrando o preconceito e agindo de maneira pontual no processo de reintegração das apenadas a sociedade.
Depois dos desfiles com trajes de gala, que aconteceram por categoria, os jurados tiveram um intervalo para decidir e computar os votos. Tomadas pela emoção todas as candidatas foram chamadas ao palco e foram homenageadas antes da divulgação do resultado, receberam flores e kits de beleza, doados por empresas parceiras.
Juntas e compartilhando aquele momento único, nenhuma pôde descrever a emoção de atravessar as cortinas de ferro e ver o quanto cada uma poderia se encantar com o próprio brilho, que para muitas delas já parecia não mais existir. Tudo se traduziu em mais lágrimas.
Após a divulgação do resultado, a competitividade deu lugar a união e a comemoração das finalistas se deu em uma alegria coletiva. A Plus Size Fernanda Melo foi a vencedora de sua categoria, como a Queen Farinézia Ferreira foi a campeã. Como Miss Presidiária Renata Costa foi vitoriosa, não só pelo título, que consegui junto às companheiras do sistema prisional mas, por ter conquistado o orgulho da mãe, que subiu ao palco e muito emocionada abraçou a filha tomada pela alegria e emoção de ver Renata provando que é possível se ressocializar. Uma cena que emocionou não só o júri, mas a todo que ali estavam presentes.
As três vencedoras ganharam bijuterias, roupas e perfumes, mas estava claro que dentre os principais presentes estava o maior deles: a oportunidade de mostrar a capacidade que cada mulher tem dentro de si, de errar, mas corrigir-se, de cair, mas levantar, de enfrentar a sociedade para mostrar que é possível recuperar a dignidade, o convívio familiar e a feminilidade.
No fim, todas voltaram para os presídios algemadas e escoltadas em viaturas policiais, à espera de que o sonho da liberdade vivenciado em apenas um dia especial seja realizado por todos os dias.
Organização
Na composição da mesa de jurados estavam personalidades da imprensa paraibana, empresários do ramo da beleza e moda, além do secretário da Seap, Walber Virgolino e da Miss Paraíba, Patrícia dos Anjos.
A grande final aconteceu , em João Pessoa, e teve a apresentação do jornalista Wendell Rodrigues e da primeira-dama do estado e jornalista, Pâmela Bório.
Segundo o Secretário Walber Virgolino, o evento tem um papel transformador na vida das presidiárias paraibanas. “O objetivo é elevar a autoestima e materializar a dignidade das reeducandas. Todos os meses são da mulher, mas neste mês estamos homenageando aquelas pessoas que um dia cometeram erros e por isso sofrem o preconceito da sociedade. O estado tem por obrigação, mostrar as reeducandas, que ele se preocupa com o bem estar, com dignidade, com o caráter feminino dessas pessoas, então esse evento vem para coroar, festejar e parabenizar essas mulheres”. Afirmou ele.
O secretário ainda confirmou que novas edições do concurso cultural que ressalta o lado feminino das apenadas serão realizadas nos próximos anos e que em breve o evento também se estenderá para o público reeducando masculino.
Ewerton Correia, Portal Correio