O aborto deve ser tema na eleição 2014?
Como cada candidatura vai lidar com a questão do aborto em 2014? Afirmar-se “cristão” ou “pai” ou “mãe” não é resposta, é subterfúgio
Maíra Kubík, em seu blog
“Não conheço ninguém que seja a favor do aborto”, declarou Eduardo Campos, candidato à Presidência da República, no último final de semana em Aparecida (SP). “Minha posição é a de todos”, completou.
Bom, para começar, eu me reivindico incluída no “todo” da sociedade brasileira e sou a favor da legalização do aborto. E aí? Se há pelo menos uma pessoa que discorda, não temos “todos” a mesma posição, certo?
Além disso, aborto, como crença individual, não deveria ser tema de campanha eleitoral. Se Eduardo Campos teve 5 filhxs e nunca considerou – alguém consultou a mãe das crianças? – interromper voluntariamente nenhuma das gestações, isso é uma questão que diz respeito à sua família, e apenas a ela, ao seu microcosmos. Não tente transferi-la para todas as outras.
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É verdade que Campos também mencionou sua posição estrutural: “[a lei brasileira] já prevê as circunstâncias e os casos [em que é permitido interromper a gravidez sem que seja considerado crime]”, disse, defendendo que não há razão para que esses termos sejam alterados. E falou isso diante de membros da Igreja Católica, que clama publicamente pela proibição total ao aborto.
De fato, poderíamos ter aí um caminho para uma discussão legítima. Mas não foi essa a informação que permaneceu nas manchetes, e sim o “não conheço ninguém” do início do texto, junto com sua declaração de ser “cristão”, o que traz flashbacks arrepiantes da eleição de 2010. E o ex-governador, claro, tem interesse que seja essa sua posição divulgada.
É o aborto como direito de escolha previsto em lei e como questão de saúde pública que deve ser debatido pela sociedade brasileira. Mais de um milhão de interrupções voluntárias de gestação são realizadas ilegalmente por ano no Brasil, segundo estimativas do Sistema Único de Saúde (SUS), independentemente da vontade do candidato — ou de qualquer candidatura.
Cálculos da OMS (Organização Mundial de Saúde) indicam que a taxa de mortalidade em decorrência de abortos induzidos varia de 0,2 a 1,2 mortes a cada 100 mil abortos nos países onde a prática é legalizada e, portanto, segura. Naqueles onde não é, o número sobe para 330 mortes a cada 100 mil abortos.
No Brasil, apenas aquelas que possuem recursos financeiros têm acesso à clínicas especializadas. Elas podem pagar não só pelo tratamento médico, mas também pelo silêncio. Ou seja, quem realmente está à mercê das interrupções inseguras são as mulheres pobres, para quem a legislação atual, defendida por Campos, pode significar uma sentença de morte.
Por outro lado, uma pesquisa feita em 2007 pela OMS (Organização Mundial da Saúde) demonstra que nos países onde o aborto é permitido por lei, o número de procedimentos tende a cair – com exceção de Cuba e do Vietnã, onde o acesso a métodos contraceptivos é bastante restrito. Há um crescimento inicial, pela demanda reprimida, e depois isso se estabiliza e há uma diminuição subsequente.
Como cada candidatura vai lidar com essa questão?
Afirmar-se “cristão” ou “pai” ou “mãe” não é resposta, é subterfúgio. Legalizar o aborto deve ser tema da eleição sim, mas junto com um debate de projeto de país e de acesso à direitos e de distribuição da riqueza.