Cerca de quatrocentos desaparecidos políticos. Oficiais. Fora os escondidos pelo silêncio das famílias amedrontadas. Aliás, a figura do “desaparecido” político é outra criação sua. Desapareceram com quem pensava diferente deles, valendo-se, cruel e covardemente, de tortura física e psicológica.
Dentre os engenhos utilizados contra homens ou mulheres, diretamente ou a mando de seus iguais – pois que apenas com maior patente –, o famosíssimo “pau de arara” (antes, usado contra escravos, hoje, só contra pobre, preto e puta), em que a vítima era pendurada, nua, pelos punhos e joelhos numa barra de ferro, a alguns centímetros do chão, onde levava choques elétricos, era espancada e sofria queimaduras de cigarro, inclusive na genitália; os “afogamentos” (uns três tipos, sempre com água suja e podre); a estrelíssima “Cadeira do Dragão” – eletrificada, revestida de zinco, onde o torturado sentava-se, nu, para receber choque no corpo todo, e na cabeça, quando cobriam-na com balde de metal; a “geladeira”, cela minúscula, onde as temperaturas variavam das mais altas às mais baixas, ao som de zoada infernal; além dos espancamentos (o “telefone”, por exemplo), estupros e outros tipos de abuso sexual, como objetos introduzidos em orifícios do corpo, e das torturas psicológicas (como mostrar os pais torturados e em terrível estado aos filhos, inclusive crianças, e ameaçá-los fazer o mesmo com eles).
A ditadura militar brasileira cometeu, portanto, crimes que seriam imprescritíveis em qualquer país sério do mundo. Vê-se, aqui mesmo na América Latina, países que sucumbiram ao arbítrio criminoso militar, em tempos recentes passados, passarem a limpo sua triste história, apurando os crimes e punindo os culpados. Fora daqui, o exemplo mais marcante é a Alemanha, com o nazifascismo. As pessoas aprendem sobre o que aconteceu, para conhecer a sua história e prevenir novo período de dor.
Aqui, além da falta de educação nas escolas, do aplauso da quase totalidade da chamada grande imprensa à época, de uma burguesia atrasada, preconceituosa e ignorante, e não bastasse uma anistia covarde e hipócrita sacramentada pelo STF, nosso Congresso Nacional, a casa da democracia por excelência, tem o desplante de permitir que se homenageie, entre suas paredes, os golpistas de 1964. Está marcada a data. Abril de 2014. Sinceramente, é tão vergonhoso, revoltante, quase surreal, que só encontro ânimo para me perguntar: que país é o meu?
*André Falcão é advogado e autor do Blog do André Falcão. Escreve quinzenalmente para Pragmatismo Político