Eric Gil Dantas
Colunista
Economia 11/Abr/2014 às 11:16 COMENTÁRIOS
Economia

A Standard & Poor's e a SELIC

Eric Gil Dantas Eric Gil Dantas
Publicado em 11 Abr, 2014 às 11h16

Quando a S&P rebaixa o rating brasileiro, ela está fazendo uma pressão para que o governo gaste menos do seu orçamento e garanta mais pagamento da dívida para quem eles representam. Um interesse de classe, a classe que compõe o capital financeiro

Nas últimas semanas tivemos, na prática, uma aula sobre a ligação estreita entre o sistema financeiro e o Estado, com o rebaixamento da nota de crédito soberano do Brasil e o aumento da SELIC, pelo Banco Central do Brasil (BCB).

O primeiro evento foi protagonizado pela agência de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P), a qual rebaixou a nota – chamada de rating – de “BBB” para “BBB-” para o Brasil. O termo rating significa a opinião de determinada agência sobre a capacidade do país, ou de empresas específicas, de honrarem seus compromissos financeiros. O “BBB-” é o último nível do chamado “grau de investimento”, a nota imediatamente abaixo desta é denominada de “predominantemente especulativo”.

s&p selic
Lisa Schineller, diretora da Standard & Poor’s em visita ao Brasil (Foto: 247)

Duas semanas antes deste rebaixamento tivemos o imenso prazer (sic) de receber a visita da Lisa Schineller, diretora da S&P, que foi responsável por vistoriar o país antes da decisão final da agência. Após a queda do rating ela foi ouvida por alguns jornais, e em entrevista à Folha ela disse que o país pode ser rebaixado novamente se houver uma “forte deterioração” dos indicadores fiscais (receitas e gastos do governo) e um “abandono da política macroeconômica pragmática”, que é o tripé formado por meta de inflação, câmbio flutuante e superávit primário (economia para pagar juros). Segundo comunicado oficial da S&P, “será difícil atingir a meta de superávit primário de 1,9% sem que se recorra, em nossa visão, a ajustes pontuais”, o que já mostra qual é a preocupação deles, que tirem ainda mais dos outros gastos públicos (como educação, saúde e previdência, que compõe três dos principais gastos) para entregar de bandeja aos bancos, como se os 42% do orçamento federal de 2014 que estão destinados a pagamento de juros e amortização de dívidas não fosse um absurdo. Mas, como declarou o Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos principais economistas do país, “Eu não compraria nem um carro novo avaliado pelas agências, mas a decisão vai causar turbulências passageiras”.

O segundo evento foi o aumento da taxa básica de juros, a SELIC, pelo Comitê de Política Monetária (COPOM), órgão ligado ao BCB, de 10,75% para 11%, a sétima alta seguida de juros. Em janeiro de 2013 a SELIC estava em 7,25%, esta era taxa mais baixa desde a metade de dezembro de 1997.

O argumento do aumento da taxa de juros vem da institucionalização do combate à inflação pelo BCB quase que exclusivamente via aumento dos juros, baseado em uma teoria econômica chamada “Curva de Phillips”.

Mas duas coisas devem ser consideradas quando falamos de aumento da taxa de juros pelo Banco Central: (i) seu efeito e (ii) a quem ela beneficia.

No primeiro caso é importante analisarmos qual é a composição da taxa de inflação. Consideraremos o relatório do IPCA de dezembro de 2013, o qual fechou o ano com um aumento de 5,91% nos preços. O item classificado como “alimentação e bebidas” teve um acréscimo de 8,48%, ou seja, consideravelmente acima do índice geral. Em dez anos, este item teve uma subida de 68,06%, 12,68% acima do IPCA. Ou nas próprias palavras do IBGE, “Os preços dos alimentos vêm aumentando de forma expressiva nos últimos anos e, embora o resultado de 8,48% de 2013 tenha mostrado certo recuo em relação aos 9,86% de 2012, foi Alimentação e Bebidas que apresentou a maior alta de grupo e exerceu o mais forte impacto no IPCA do ano. Detendo 2,03 ponto percentual, os alimentos foram responsáveis por 34% do índice, cerca da terça parte.” (Relatório IPCA dez. 2013, p. 12).

Dois fatores podem ser apontados como responsáveis por influenciar nesta elevação dos preços dos alimentos: (i) o avanço do agronegócio, que elimina cada vez mais o pequeno agricultor, que, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), é responsável pela maior parte da produção de alimentos no mundo; e (ii) nos últimos anos, as commodities foram integradas nas negociações em bolsas de futuros, como a BM&FBOVESPA, fazendo com que o preço de mercadorias como feijão, soja, trigo, dentre outros alimentos, subam por conta da especulação financeira.

O outro fator a ser considerado é o de uma parte da composição do IPCA, os chamados preços administrados – tarifas que são determinadas pelo poder público, que compõe cerca de 24% do total da cesta deste índice. Por conta das Jornadas de Junho, por exemplo, enquanto que em 2012 o aumento do item do IPCA ônibus urbano foi de 5,56%, e “metrô” de 3,39%, em 2013 os resultados foram de 0,02% e 0% respectivamente. Das 11 cidades que participam da pesquisa do IBGE, apenas Fortaleza (10%) e Curitiba (6,74%) tiveram aumentos nos preços dos ônibus urbanos, tendo as outras capitais revogado este aumento, ou mesmo diminuído o preço da passagem.

O segundo questionamento sobre o aumento da SELIC vai para quem esta beneficia. Segundo o Tesouro Nacional, em seu Relatório Mensal da Dívida, no mês de fevereiro, dos 1,97 trilhão de reais de dívida, 29% estão em posse de Instituições Financeiras e 21,7% dos Fundos de Investimento, que também são ligadas diretamente ao Sistema Financeiro. Sem considerar outras ligações mais indiretas, de que, no final, os beneficiados também são os financistas. Então quando temos o aumento da SELIC, também vemos a dívida pública crescer, pois o Estado paga mais caro pelos títulos que são indexados à SELIC, uma parte bastante considerável.

Logo, quando a S&P rebaixa o rating brasileiro, ela está fazendo uma pressão para que o governo gaste menos do seu orçamento e garanta mais pagamento da dívida para quem eles representam. Um interesse de classe, a classe que compõe o capital financeiro. Ou seja, atentem-se às declarações do sistema financeiro; não são declarações técnicas e isentas de quem está preocupado com a saúde de nossa economia, e sim o quanto a mais dos nossos impostos eles ainda poderão sugar.

*Eric Gil é economista do Instituto Latino-americano de Estudos Socioeconômicos (ILAESE) formado pela Universidade Federal da Paraíba, mestrando no Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná; escreve quinzenalmente para Pragmatismo Político

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