Desde que as declarações dos pré-candidatos a presidência – Aécio Neves e Eduardo Campos – sobre suas opiniões acerca da autonomia do Banco Central do Brasil (BCB) foram divulgadas, esta instituição foi alvo de mais atenção por parte da mídia.
O BCB foi criado pela lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, o primeiro ano da ditadura civil-militar brasileira. Apesar de, ao longo da sua história, haver mudanças significativas sobre suas atribuições, hoje a missão desta instituição é “assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda e um sistema financeiro sólido e eficiente”, como está dito em seu site.
O que está em pauta é a sua independência ou não-independência, autonomia ou não-autonomia. Mas o que é isto?
A teoria econômica neoclássica, hoje a mainstream da ciência econômica internacional, diz que o aumento no crescimento da oferta monetária conduz, inevitavelmente, a aumento de preços (inflação), uma vez que a moeda, diferentemente do argumento keynesiano, não é capaz de estimular o produto e a renda no longo prazo. E como, para esta teoria, os políticos são intrinsecamente gastadores, os bancos centrais devem ser independentes (daí a teoria da “independência do banco central”) deles, pois assim, gerido por “técnicos”, os políticos não utilizarão a impressora de dinheiro para financiar o aumento dos gastos públicos.
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No entanto, há diferentes níveis de autonomia. A maior delas diz que um banco central deve ter liberdade para determinar seus objetivos e como eles serão alcançados, no caso brasileiro seria o quanto de inflação o BCB iria tolerar, e como ele o faria. Já a autonomia operacional seria a independência, apenas, de como alcançar os objetivos já determinados por outrem, no nosso caso, por exemplo, poderia ser quanto de taxa de juros seria necessário para mantermos a inflação no intervalo tolerado, nível de inflação esta que é decidido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), composto pelo ministro da Fazenda, ministro do Planejamento e presidente do BCB.
Quais eram as posições sobre esta autonomia? Ambos defenderam a autonomia do banco central. No entanto, Campos defendeu uma “autonomia legal”, ou seja, que seja votada uma lei no Congresso para que fosse regulada esta autonomia, com mandatos fixos para os diretores, como já houve no início da ditadura, quando os diretores teriam seis anos de mandato fixo (no entanto, na prática isto logo foi eliminado por Costa e Silva). Já Aécio defendia uma “autonomia operacional” sem o regramento por lei. Por fim, o presidente do PT, Rui Falcão, veio em defesa da resolução de política monetária pelos políticos eleitos, mas sem eliminar a autonomia do banco central, e, sim, a sua formalização em lei.
Apesar de parecer um consenso dentro da teoria econômica, isto apenas se dá porque os principais veículos de comunicação e universidades apresentam apenas uma única visão sobre a economia, um “consenso neoliberal”. Há várias críticas acerca de que a teoria da Independência do Banco Central seja válida, tanto teórica quanto empírica.
Primeiramente não é consenso de que, como dissemos inicialmente, política de expansão monetária gere, necessariamente, inflação, tendo como exemplo uma das principais escolas econômicas, a keynesiana. Além disto, a única ferramenta utilizada pela instituição para combater a inflação é a taxa de juros. Isto beneficia o sistema financeiro, tanto por ter sua taxa de juros referencial (a SELIC) mais alta, podendo, assim, praticar juros mais altos, quanto ganhando mais juros com a dívida pública federal, considerando que o sistema financeiro é o maior detentor de títulos da dívida pública do país.
Em segundo lugar, empiricamente a autonomia, ou não, do BCB não se traduziu, historicamente, em maiores ou menores taxas de inflação. O professor da PUC-Rio, Eduardo Raposo, mostrou em seu livro “Banco Central do Brasil: O Leviatã Ibérico” que, ao menos, entre os governos Dutra (onde já existia o embrião de banco central, a SUMOC) até FHC, não houve uma correlação entre autonomia do BCB (ou da SUMOC, que detinha função parecida ao banco central, de 1945 a 1964) e baixas taxas de inflação. Por exemplo, no governo Collor de Mello, onde houve alto grau de autonomia a taxa de inflação média anual foi de 1.038,3%. Já no governo Dutra, onde a média anual foi de 11,53%, o que é uma baixa média para a história brasileira, o grau de autonomia foi baixo.
Em um mês onde um livro traduzido para o inglês – Thomas Piketty, “O Capital no Século XXI” – por desafiar o mainstream e chegar a conclusões de que o capitalismo gera desigualdade chega às principais listas de livros mais vendidos dos EUA; e que mais um manifesto de estudantes de economia ganha repercussão internacional, pedindo por mais pluralidade nas Faculdades de Economia – agora o caso da carta aberta assinada pelo ISIPE (sigla em inglês para Iniciativa Internacional de Estudantes para o Pluralismo Econômico) – fica a dúvida de por que uma só ideia é levada em consideração para todos os formuladores de política econômica.
O “consenso neoliberal”, que segundo Perry Anderson, pode ser simbolizado pelo começo da hegemonia teórica destes intelectuais, ao Hayek, em 1974, receber o Prêmio Nobel de Economia, pago pelo Banco Central da Suécia, e dois anos depois Friedman, deve ser questionado. A quem este beneficia? E quem o financia?
*Eric Gil é economista do Instituto Latino-americano de Estudos Socioeconômicos (ILAESE) formado pela Universidade Federal da Paraíba, mestrando no Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná; escreve quinzenalmente para Pragmatismo Político