"O Brasil tem o melhor futebol do mundo" é uma frase que precisa ser repensada
Talvez não pensando no futebol da seleção brasileira. Ninguém, além da Itália, pode alcançar os cinco títulos mundiais do Brasil, que também é forte candidato a conquistar o hexacampeonato no dia 13 de julho. Mas “melhor do mundo” não pode se aplicar ao futebol dos clubes, conforme ficou comprovado na Copa Libertadores deste ano.
Na verdade, esse momento está chegando há algum tempo, escondido apenas por aqueles incapazes de lidar com a realidade pelo fato de clubes brasileiros terem vencido as últimas quatro edições da Libertadores até aqui.
A dominação deveria ser muito maior – existe um abismo financeiro entre os times do Brasil e os outros do resto do continente. No ano passado, por exemplo, a folha salarial de todo o time do Olimpia, do Paraguai, não seria o suficiente para pagar o salário de Ronaldinho Gaúcho, a estrela do Atlético-MG. E apesar disso, a diferença nunca ficou aparente quando os dois times se enfrentaram em uma final definida nos pênaltis.
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Neste ano, todos os seis clubes brasileiros foram eliminados da Libertadores antes das semifinais, e somente o Grêmio pode olhar para trás para sua participação com prazer.
Considerando a grande diferença nos recursos financeiros, isso não extraordinário. Mas para aqueles que acompanharam a competição – ou o Mundial de Clubes – recentemente, isso não é uma surpresa completa.
Então o que significa o termo “futebol brasileiro”? Está claro que, em um contexto globalizado contemporâneo, precisamos definir se estamos falando da seleção brasileira ou dos clubes. Até algum tempo atrás, o primeiro era um reflexo do último. Mas, com os melhores brasileiros jogando no exterior agora, obviamente esse não é mais o caso.
No outro extremo está o futebol inglês. A liga doméstica é forte, mas a seleção é uma eterna decepção. Muitos iriam discutir que a explicação para a diferença é a grande quantidade de estrangeiros no Campeonato Inglês.
Mas então como explicar a Espanha? O Atlético de Madri (campeão espanhol 2013/2014) e o Sevilla mostraram nesta temporada que a Liga Espanhola não está restrita a Barcelona e Real Madrid.
Clubes do país vão ganhar as duas competições europeias neste ano – o Sevilla já venceu a Liga Europa e Atlético de Madri e Real Madrid disputam o título da Liga dos Campeões. A Liga tem inúmeros craques do exterior. E ainda assim, a seleção tem vivido o melhor momento de sua história, vencendo as duas últimas Eurocopas além da Copa do Mundo de 2010.
A diferença é clara. No nível de seleção, a Espanha é armada com uma ideia, com uma identidade. Os times sub-17, sub-20 e o principal jogam com a mesma filosofia, com a intenção de dominar a posse de bola e desgastar os adversários.
É como uma lição prolongada de geometria: o time forma uma sucessão de triângulos, cada um deles abre a possibilidade de novos triângulos, e eles seguem tocando a bola até encontrarem um espaço onde possam escapar e colocar um jogador na cara do gol.
Próprio umbigo
O que o futebol brasileiro de clubes precisa é desse tipo de ideia moderna e coerente de jogar.
O jogo doméstico no Brasil se tornou uma ilha: chutões são dados por nada e, como resultado disso, o jogo se torna uma constante tentativa de vencê-lo por uma posição vantajosa. Os resultados são frequentemente definidos muito mais por bolas paradas do que por um toque inteligente de bola.
Foi emblemático o primeiro tempo jogado pelo Cruzeiro na semana passada contra o San Lorenzo, da Argentina – partida que eliminou o único time brasileiro que ainda estava na Libertadores. A excelente equipe local, campeã brasileira no ano passado, desperdiçou os primeiros 45 minutos. Em vez de jogar, o time só se jogava. E cada tentativa malsucedida de enganar o árbitro era recebida com um ataque de desespero que abalou o estado emocional do time e levou a cada vez mais decisões erradas em campo.
A impressão é de que o futebol brasileiro dos clubes parou no tempo e virou as costas ao mundo enquanto olha para o próprio umbigo – muito disso pode ser simbolizado pela existência dos absurdos campeonatos estaduais.
É um conto de advertência sobre os perigos do sucesso. O futebol brasileiro dos clubes acumulou tanta glória que esqueceu o que o tornou bem-sucedido. Os anos 1930, 1940 e 1950, décadas em que o futebol brasileiro estava preparava o terreno param a dominação mundial, foram marcados por uma notável mente aberta e curiosa. Um pré-requisito para tal mentalidade é a curiosidade, que por sua vez requer humildade e a admissão de que ainda há coisas a serem aprendidas.
Na época, o futebol brasileiro não tinha “vergonha” de aprender com a Argentina e, especialmente, com o Uruguai, países que tinham uma cultura do futebol que dominava o mundo naqueles tempos. Por uma ironia do destino, alguns dos jogadores brasileiros que perderam a final da Copa do Mundo de 1950 para o Uruguai foram desenvolvidos por Ondino Viera, técnico uruguaio muito influente que trabalhou no Brasil do fim dos anos 1930 até meados dos 50.
A participação de Viera e seu legado são pouco lembrados nos dias de hoje. Tampouco é notado o fato que o técnico do Brasil na Copa de 1958 quase foi um paraguaio – Fleitas Solich, que foi muito bem comandando o Flamengo na época. Mas, com base no Rio, Havelange precisava do apoio de São Paulo – onde o magnata da mídia e diretor de futebol Paulo Machado de Carvalho insistiu que o treinador local, Vicente Feola, deveria assumir o comando da equipe.
O resto, claro, é história. O Brasil venceu aquela Copa e a seguinte com o técnico Aymore Moreira. E nasceu a premissa “com brasileiro, não há quem possa”- que durou até agora, talvez, quando outros times do continente superaram uma devantagem financeira gigantesca para acabar com a participação brasileira na Libertadores deste ano.
A solução não necessariamente tem a ver com nacionalidade – afinal, uma onda de técnicos europeus medíocres não parece ter feito muito bem ao futebol africano.
Mas é claramente o momento para técnicos com ideias frescas – e para um calendário que lhes dê tempo para colocar as ideias em prática.
Tim Vickery, BBC