Comentaristas do G1 fazem piada com um acidente de ônibus que deixou 18 mortos no Ceará. Quem vai responder pelos comentários criminosos?
A Justiça Federal do Ceará acatou um pedido do MP para quebrar o sigilo de seis internautas que conseguiram fazer piada com um acidente de ônibus no Ceará, no dia 18, que deixou, até o momento, 18 mortos. O estado em que estavam os corpos dificultou a identificação.
A determinação foi rápida. O Ministério Público coletou dezenas de comentários — dezenas — que podem ser enquadrados como crime de racismo, que prevê de dois a cinco anos de prisão.
(É preciso lembrar que não há ninguém preso por racismo no Brasil, o que não tira o mérito da decisão, evidentemente).
Comentaristas de grandes portais costumam se dividir, basicamente, em três grupos: os intolerantes; os burros; e os que culpam o PT por todos os problemas do universo, da fase gorda de Elvis Presley à falta de água em Marte. Em comum, o ódio.
O G1, entre outros, deu a notícia. Não por acaso, foi ali que a maioria dos comentários surgiu. Coisas do tipo:
“A notícia boa é que esse povo não virá poluir meu RS.”
“Não sabia que existia ônibus no Ceará kkk.”
“Com todo o respeito… 20 eleitores do PT a menos.”
“Nada de valor foi perdido.”
“Será que o acidente poderia ter sido evitado se as pessoas (cearenses) tivessem sentados um de cada lado? Vai ver o peso da cabeça chata fez o ônibus tombar… eu tinha 2Kg de mandioca para dar a esse povo… o que eu faço agora?”
Ao repercutir a decisão da Justiça, o G1, cinicamente, desabilitou a caixa de comentários.
Há um consenso entre psicólogos de que qualquer pessoa pode virar um monstro na internet. Inclusive seu vizinho gente fina que leva os filhos para a escola às 6 da manhã.
O anonimato torna tudo possível. Só psicóticos dizem num bar que estão contentes com a morte de crianças. No mundo virtual, a sensação de estar sozinho e protegido faz com que a doença aflore.
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Platão conta a história do anel de Giges, que deixava seu dono, um pastor, invisível. Uma parábola da impunidade. Com ele, Giges rouba, mata o rei e sobe ao trono. Quem não faria isso, sabendo que era invisível e não seria pego, pergunta Platão.
Tirar a invisibilidade de quem tripudiou sobre o massacre de nordestinos num acidente rodoviário é um avanço.
Kiko Nogueira, DCM