Dilma revela que não teve o dilema da esquerda à época, que questionava se torcer pela seleção reforçaria os militares; ela diz ainda que as manifestações contra a Copa este ano no Brasil vêm de uma minoria e ressalta que diminuíram as desigualdades sociais no País
Em entrevista nesta terça-feira (3) ao jornal New York Times, a presidenta Dilma Rousseff disse que em 1970, mesmo estando presa e diante do questionamento da esquerda à época sobre se torcer pela seleção brasileira na Copa do Mundo, disputada no México, seria uma forma de fortalecer os militares no poder, ela torceu pelo Brasil, que acabou sagrando-se tricampeão. “Eu não tive esse dilema”, revela a presidenta. Além do NYT, a presidenta jantou nesta terça-feira com outros correspondentes estrangeiros no Palácio do Alvorada.
O diário norte-americano aponta, logo na abertura da reportagem, publicada na edição desta quarta-feira (4), que Dilma raramente faz declarações públicas a respeito de sua prisão. A presidenta, então militante da organização Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), foi presa no começo de 1970 durante a Operação Bandeirantes, em São Paulo. Na entrevista, Dilma diz que a resistência em torcer para Brasil se dissipou e ela e seus companheiros de prisão acompanharam o torneio.
A reportagem aborda, em seguida, as reações públicas contra a realização do Mundial este ano no Brasil. Dilma afirma que apenas uma “pequena minoria” é contra a Copa no País e defendeu empréstimos de bancos públicos para financiar os estádios da competição. A presidenta reforçou que o evento oferece uma oportunidade de o Brasil reforçar sua posição em escala global.
Além do assunto Copa, Dilma enfatizou a redução da desigualdade social no Brasil. Segundo ela, o País melhorou a distribuição de renda, enquanto nos EUA e em partes da Europa a situação se deteriorou. A presidenta comparou o avanço social recente no Brasil ao da Espanha após a morte do ditador Francisco Franco, em 1975. Sobre esse tema, a presidenta elogiou o trabalho do economista francês Thomas Piketty, que, no livro “O capital no século XXI”, discute o aumento da desigualdade. “Acho que ele (Piketty) fez um trabalho fantástico”, afirmou.
Dilma ressaltou que, com a melhora da distribuição de renda no Brasil, surgiram outras demandas e desafios das pessoas, citando como exemplo o crescimento das viagens aéreas enquanto os aeroportos precisam de novos investimentos. Por esse motivo, ela diz entender a insatisfação dos brasileiros ao protestar contra serviços de má qualidade. “Os serviços cresceram menos que a renda”, disse.
A respeito de diplomacia, Dilma destacou que está preparada para reaquecer as relações entre Brasília e Washington, desgastadas após as denúncias de espionagem da Casa Branca no Brasil. A presidenta disse que está preparada para considerar o reagendamento da visita que faria em Washington em outubro do ano passado e que foi cancelada em meio às denúncias, feitas pelo ex-funcionário da inteligência dos EUA Edward Snowden. Ela informou que planeja se encontrar com o vice-presidente dos EUA, Joseph Biden, que vem ao Brasil este mês assistir a uma partida da seleção norte-americana.
Dilma falou também sobre Cuba e os investimentos que o Brasil tem feito na ilha. Ela afirmou ainda que espera que o Brasil continue aumentando seu poder diplomático e econômico na América Latina.
Questionada sobre a lei da anistia, que permite que as pessoas que a torturaram na prisão continuem livres, Dilma disse ao jornal que, como presidente, respeita a norma, apesar de sua visão pessoal ser diferente. “Eu não acredito em vingança, mas também não acredito em perdoar”, afirmou. “É extremamente importante para o Brasil saber o que aconteceu, porque isso significa que não acontecerá de novo.”