Categories: Homofobia

Assistindo a Copa em um bar gay

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Oliver Kornblihtt, Mídia Ninja

Seguindo as recomendações de um amigo, decidi ver a partida do Brasil contra Camarões em um bar gay da Rua Frei Caneca. Diversão garantida, pensei. Ao chegar lá, me encontrei entre umas 200 pessoas, maioria homens, 90% gays. Músculos, cabelos recém cortados, olhares cruzados. Camisetas do Brasil ajustadas ao corpo, muitas cervejas na mesa, quase todos eram grupos de amigos, alguns casais. Começa a partida. Tenho que admitir, os comentários durante o jogo eram muito engraçados. “Faz um gol neymar… seu heterozinho passivão!!!!!!”.

Foi uma festa do “jogo bonito” do Brasil e os gols se sucederam. A torcida gay é entusiasmada: canta, grita, dança, segue o jogo minuto a minuto e explode de emoção quando o Brasil mete um gol.

Em algum momento me desconectei do que estava vivendo ao meu redor e me vieram as palavras de EFFY (artista argentina performática transexual, bissexual, casta, judia, ateia e estrangeira que fez de sua sexualidade e de seu corpo uma obra totalmente revolucionária).

Seguindo as recomendações de um amigo, decidi ver a partida do Brasil contra Camarões em um bar gay da Rua Frei Caneca. Diversão garantida, pensei. Ao chegar lá, me encontrei entre umas 200 pessoas, maioria homens, 90% gays. Músculos, cabelos recém cortados, olhares cruzados. Camisetas do Brasil ajustadas ao corpo, muitas cervejas na mesa, quase todos eram grupos de amigos, alguns casais. Começa a partida. Tenho que admitir, os comentários durante o jogo eram muito engraçados. “Faz um gol neymar… seu heterozinho passivão!!!!!!”. A festa do “jogo bonito” do Brasil, os gols que se sucederam, a torcida gay é entusiasmada: canta, grita, dança, segue o jogo minuto a minuto e explode de emoção quando o Brasil mete um gol.

Em algum momento me desconectei do que estava vivendo ao meu redor e me vieram as palavras de EFFY (artista argentina performática transexual, bissexual, casta, judia, ateia e estrangeira que fez de sua sexualidade e de seu corpo uma obra totalmente revolucionária).

“Com a gente pessoas heterossexuais com uma vida classificada como heteronormativa que são muito mais queer que as lésbicas, gays, travestis e transexuais que têm práticas corporais classificadas como queer. Mas seus discursos e formas de codificar o mundo são totalmente fechados e normativo-neutralizados”.

Então me coloquei a pensar no que estava vivendo ao meu redor: como as condutas heteronormativas reforçavam o estereótipo masculino (para homens) e feminino (para as mulheres lésbicas) nas quais todos pareciam estar querendo se encaixar, esses quadrados de como tem que se ver um gay (atlético, com dinheiro, profissional). E não havia nenhuma travesti no público, nenhum “putito” de favela.

Todos paulistanos de classe média acomodada fazendo uso e direito de seus privilégios adquiridos dentro do limite do gueto da Rua Frei Caneca. Perguntei a um dos caras abraçado em seu namorado se não achava que São Paulo havia muito homofóbico na rua. Me disse que não necessitava demonstrar sua sexualidade em público. É muito louco que ainda nos autocensuramos entre nós mesmos, não?

Nesse momento todas as camisetas apertadas, os braços inchados de esteroides, essa pureza tão asseada, que me fazia sentir em uma encenação, se misturaram no discurso nacionalista “vamos brasil!”, do país lindo que recebe o mundo para mostrar que é todo alegria.

“Você está ficando muito chato”, pensei. Aceitei uma cerveja oferecida e voltei a rir com as marchinhas do público que se despedia de Neymar com o grito de “Afeminada! Afeminada!”. Apropriação, somatização ou reversão do discurso homofóbico?

Quando a partida terminou explodiu a festa. Se incendiaram as caixas de som e um DJ armou seu set de música. Esperava os funks e ver todos mexendo até o chão, mas a música eletrônica deu lugar.

Volto a pensar: será possível construir um outro território onde esses códigos de gueto sejam suspensos e o gênero um pouco mais “des-feito”, as trajetórias da experiência sexual, afetiva, corporal, das pessoas sejam mais livres? Será possível em um bar gay paulistano, assistindo ao jogo Brasil contra Camarões?

E que problema seria se Neymar fosse um heterossexual e afeminado?

(Fotos: Oliver Kornblihtt)