Brasil, um país em greve
Eric Gil*
Às vésperas da Copa do Mundo da FIFA, o Brasil borbulha de norte a sul e parece prestes a estourar.
Um ano atrás, iniciava-se o que ficou conhecido como as Jornadas de Junho, uma série de manifestações onde milhões de pessoas tomaram as ruas do país, fazendo com que quase todos os aumentos de tarifa de transporte público coletivo fossem revogados, o que resultou em uma taxa de inflação do transporte público praticamente de 0%.
Muitos analistas, na ocasião, lembraram de um fato relevante, o qual aconteceu anteriormente às Jornadas, desmistificando a tese de que as grandes manifestações foram totalmente espontâneas e desconectadas de um contexto anterior: o aumento da quantidade de greves. Em 2012, segundo o balanço divulgado pelo DIEESE, esta marca foi de 873 paralisações pelo país, a maior desde 1997, e 58% a mais do que o ano anterior.
Infelizmente o DIEESE ainda não atualizou estes dados para este ano, o qual nos impossibilita a análise comparativa. No entanto, a Folha de São Paulo lançou, recentemente, uma ferramenta de contabilidade de protestos em dez das principais cidades do país, o “protestômetro”. Segundo esta ferramenta, desde 31 de março deste ano, estas dez cidades já presenciaram 400 protestos em suas ruas.
Mas uma greve é o símbolo do momento que o país vive, a dos metroviários do estado de São Paulo. Em greve desde a meia-noite do dia 04 para 05 deste mês, a qual suspenderam ao menos por dois dias, os trabalhadores do metrô seguem o exemplo dos garis cariocas, e enfrentam grande repressão do governo por ganhos reais mais significativos, ao invés da proposta oficial. Diferente de anos anteriores, os trabalhadores lutam não mais pela manutenção dos seus salários, e sim por verdadeiros ganhos reais, realmente acima da inflação.
Com apoio de 80% da população, segundo o R7, parece ser natural que as pessoas achem estranho que falte dinheiro para aumento salarial dos metroviários – que hoje têm um piso de R$1.323,55 e pedem aumento de 12,2%, o que daria um crescimento real de 5,83%, se considerarmos o IPCA de maio, até então o governo só cedeu 8,7% – pois o metrô de São Paulo foi pivô de um escândalo que, segundo o Ministérios Público, o prejuízo gira em torno de R$2,5 bilhões. Além disto, a esperança ainda vem de meses antes, quando os garis cariocas arrancaram 37% de aumento nos seus salários.
O saldo desta greve, até então, é digno do selo Geraldo Alckmin: demissões, acidentes de trabalho, repressão e imposição – a assembleia que ocorreu nesta noite do dia 09, aceitou a proposta dos 8,7%, mas definiu uma nova assembleia para quinta-feira, com possibilidade de paralisação. Em uma medida absurda, o secretário estadual de Transportes Metropolitanos do estado de São Paulo, Jurandir Fernandes, anunciou a demissão de 42 grevistas, alegando que as “demissões [foram] por justa causa, [e contaram com] aqueles que já foram catalogados, com provas materiais de vandalismo, aqueles que barraram fisicamente, que incitaram a população a pular a catraca”. Além disto, hoje ocorreu a morte de um operário nas obras do monotrilho da linha 17 – ouro do metrô, o qual deixam claras as condições de trabalho dadas para as obras públicas. Nenhuma surpresa para quem protagonizou tragédias como Pinheirinho e tiros de bala de borracha em jornalistas.
Em mais uma tentativa de desmoralizar o movimento, Jurandir Fernandes ressuscitou o argumento de que não existe “almoço grátis”, ao falar da proposta do Sindicato dos Metroviários para a Catraca Livre em meio à greve. O secretário taxou como “baboseira”, e lembrou que o passe livre é algo romântico. Para ele, o passe livre, ou catraca livre, será pago pela Dona Maria lá do Pontal do Paranapanema, via impostos. Chamando de “criançada entusiasmada”, ele diz que isto seria “o auge de um orgasmo coletivo”. Bem, realmente não existe “almoço grátis”, o orçamento de SP, de quase 200 bilhões de reais, deve ir para algum lugar, e o que o passe livre propõe é que o orçamento da secretaria do Jurandir, que hoje equivale a 4,9% das despesas totais, seja ampliada (em detrimento de outras) para garantir que o transporte seja um direito (por isto a palavra “transporte não é mercadoria”, e sim um direito). A prioridade de para onde vai o almoço é uma disputa política. Mas será que Dona Maria que vai pagar? Ela já paga uma tarifa de, hoje, 3 reais. Mas o lucro está embutido aí, o que poderia fazer com que diminuísse a tarifa, caso não houvesse. Mas a Maria já paga sua tarifa de metrô ou ônibus para ir trabalhar além dos impostos. Quem vai pagar é o Carlos, do Morumbi, e não a Maria do Pontal do Paranapanema, que hoje paga em dobro (imposto e tarifa).
Enquanto isto, em todo o Brasil outras greves pipocam. Hoje, professores em greve do Rio de Janeiro e São Paulo fizeram atos. No Rio, metroviários decidirão nesta terça se também entrarão em greve. Em Curitiba, técnico-administrativos e trabalhadores da saúde, ambos em greve, fizeram um protesto contra a implementação da EBSERH. Em Natal, que também será cidade-sede, rodoviários decidiram entrar em greve na quinta-feira, dia que começa a Copa do Mundo. Em João Pessoa, trabalhadores da CAGEPA, Companhia de Água e Esgotos da Paraíba, entraram hoje em greve. E assim a lista parece não ter fim.
Se teremos, um ano depois, um “novo junho” não sabemos, mas que a Copa do Mundo propiciou um terreno de revoltas populares e greves em todo o país já é um fato. Bem, pelo jeito nesta Copa vai ter greve.
*Eric Gil é economista do Instituto Latino-americano de Estudos Socioeconômicos (ILAESE) formado pela Universidade Federal da Paraíba, mestrando no Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná; escreve quinzenalmente para Pragmatismo Político